SWEET JANE – LOU REED – AO VIVO

21 outubro, 2010

Provavelmente a melhor versão ao vivo do clássico de Lou Reed. Não tem vídeo propriamente dito. Dê o play e curta de olhos fechados. Se preferir, acompanhe a letra abaixo ou, mais embaixo, a tradução (tirada de um site, então, sorry…)

Standing on the corner, suitcase in my hand,
Jack is in his corset, and Jane is in her vest, and, me,
I’m in a rock’n’roll band. Huh!
Ridin’ in a Stutz-Bearcat, Jim
Y’know, those were different times!
Oh, all the poet, they studied rules of verse,
And the ladies, they rolled their eyes.
Sweet Jane! Whoa! Sweet Jane, oh-oh-a! Sweet Jane!
I’ll tell you something,
Jack, he is a banker,
And Jane, she is a clerk.
Both of them save their monies, ha,
And when, when they come home from work!
Ooh! Sittin’ down by the fire, oh!
The radio does play,
The classical music there, Jim.
“The March of the Wooden Soldiers”.
All you protest kids.
You can hear Jack say, get ready, ah,
Sweet Jane! Come on baby! Sweet Jane! Oh-oh-a! Sweet Jane!
Some people, they like to go out dancing,
And other peoples, they have to work. Just watch me now!
And there’s even some evil mothers,
Well they’re gonna tell you that everything is just dirt.
Y’know that, women, never really faint,
And that villains always blink their eyes, woo!
And that, y’know, children are the only ones who blush!
And that, life is, just to die!
And, everyone who ever had a heart, oh,
That wouldn’t turn around and break it.
And anyone who ever played a part, whoa,
And wouldn’t turn around and hate it!
Sweet Jane! Whoa-oh-oh! Sweet Jane! Sweet Jane. Sweet Jane.
Sweet Jane. Sweet Jane.

Parado num canto, com uma maleta em minhas mãos
Jack está de espartilho, e Jane é seu colete, e eu,
Eu estou numa banda de rock n’ roll, Hah!
Passeando num Stutz Bear Cat, Jim
Você sabe, aqueles eram outros tempos!
Oh, todos os poetas estudaram regras de rima
E aquelas garotas, reviravam seus olhos
Doce Jane! Whoa! Doce Jane, oh-oh-a! Doce Jane!
Vou te dizer uma coisa
Jack, é um bancário
E Jane, é uma balconista
Ambos economizam dinheiro, ha
E quando eles chegam em casa do trabalho
Oh, sentando perto do fogo, oh!
O rádio toca
Música clássica, Jim
“The March of the Wooden Soldiers”
Com o protesto das crianças
Você pode ouvir Jack dizendo, prepare-se, ah
Doce Jane! venha baby! Doce Jane! Oh-oh-a! Doce Jane!
Algumas pessoas gostam de sair pra dançar
E outras têm que trabalhar, observe-me agora!
E há sempre algumas mães malévolas
Bem, elas lhe dirão que tudo isso é apenas sujeira
Você sabe que, as mulheres, nunca desmaiam de verdade
E aqueles vilões sempre piscam os olhos, woo!
E você sabe, as crianças são as únicas que ficam vermelhas!
E que a vida é só pra morrer!
E todos que tiveram um coração
Eles não se virariam e o quebrariam
E qualquer um que já fez um papel
Não se viraria e o odiaria
Doce Jane! Whoa-oh-oh! Doce Jane! Doce Jane!
Doce Jane. Doce Jane.

****

Sobre o irmão búlgaro de Dilma que foi passado para trás na herança do pai deles:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/20/irmao-de-dilma-ficou-fora-da-heranca/

Sobre a agressão do militante pago petista a José Serra e o incentivo gravado de José Dirceu à violência.

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/20/201010-petista-agride-serra-em-passeata-no-rj/

Sobre a necessidade, a liberdade e o dever de se publicar tudo e qualquer coisa a respeito da vida de qualquer candidato:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/20/a-importancia-da-baixaria/

Sobre o erro de se dar mais crédito ao governo do que ao próprio trabalho e ainda comparar condição de vida de trabalhador de grande cidade com miserável do sertão:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/19/foi-voce-quem-melhorou-sua-vida-nao-o-lula/

Sobre a estranha forma de trabalho do Datafolha:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/18/datafolha-de-novo-aprontando/

Sobre a inconstitucionalidade do Bolsa Família:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/18/a-inconstitucionalidade-do-bolsa-familia

Sobre o destino de terroristas na América do Sul:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/18/se-eles-lerem-isso-pobre-colombia/

Sobre quem é o verdadeiro candidato do PT:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/17/lula-explica-o-candidato-e-ele/


Bonzinho tem que se foder – parte 1 de 10

6 março, 2009


─ Gordo daquele jeito, você acha que fede mais se for queimado de fora para dentro ou de dentro para fora?


─ De dentro para fora? Vai fazer o cara beber cinco litros de gasolina?


─ Diesel. Posso injetar também. E não estou pensando nas veias.


─ De fora pra dentro, a gordura fica logo abaixo da pele.


─ Por outro lado, os órgãos internos devem ser maiores e também cobertos de gordura. Ou com mais.


─ Mesmo assim…


─ Enfim…passou das duas, já faz mais de meia hora que estamos aqui.


─ Mais de meia hora. Mais de meia hora.


Sentados em horripilantes cadeiras de espera, continuaram a observar o camarada tentar ser atendido. Aquele gordinho narigudo tinha uma sibilante voz aguda irritante e lembrava um comediante qualquer aviadado que vira há tempos num DVD. De frente ao balcão de informações, há quase quarenta minutos ouvia o camarada se dizer motorista de táxi e querer receber a conta duma corrida que a filha da enfermeira-chefe, ou algo assim, não havia pago. Já era o terceiro dia em que o sujeito estava indo ali e nunca conseguia receber da cidadã. Na primeira vez, ela alegou uma cirurgia de urgência, depois simplesmente não apareceu e agora foi flagrada por ele e tentava convence-lo que o problema não era dela. O chofer tentava explicar que ajudara a moça, que ela parecia ter se metido em algum tipo de encrenca, provavelmente fora assaltada porque vestia uma camiseta rasgada horrível e uma calça uns vinte números maior que ela.


─ Olha, a gente ajuda, a moça parecia com problema sério, chorou igual louca, mas ficar no prejuízo não dá. A senhora tem que pagar.


─ Meu querido, cobre dela, ela pegou o táxi, não eu.


─ Eu voltei lá, ela sumiu, ninguém sabe nada dela. Até consegui com os vizinhos o endereço do escritório de engenharia dela…


─ Arquitetura.


─ Tá, fui lá e ninguém sabe dela faz dias. É filha da senhora, eu vi a senhora falar com ela daqui, eu vi a senhora no telefone.


─ Ao telefone, no telefone não cabe ninguém.


─ Puxa dona, a gente é trabalhador e a senhora fica aí de gracinha…


─ Não peguei o táxi, não vou pagar.


─ Dona, eu ia devolver ela pro lugar onde peguei, mas ela chorava mais que criança, nunca vi igual e olha que na noite a gente vê de tudo.


─ Não é criança, ela que pague.


─ Ela nem andava direito, mal falava, sei não dona, a senhora me desculpe falar assim, mas acho que sua filha foi, bom, foi estuprada. O que eu ia fazer?


─ Sei lá, que é que eu tenho a ver com isso?


Bonzinho tem que se foder – parte 3 de 10

6 março, 2009


Espantada, não sabia como responder. Ela percebeu que o homem não era um paciente qualquer, se vestia bem, trajes com bom caimento, do tipo que raramente se vê hoje em dia, nada a ver com os sacos de estopa mal tingidos de azul que as pessoas usam e têm a desfaçatez de chamar de calças jeans, como se o fundo de uma calça fosse um instrumento para lustrar o chão e não para segurar os bagos dum homem ou levantar e firmar a bunda da mulherada. Como se calças fossem algo para se esconder uma televisão junto das pernas. Como se calças fossem uma espécie de armário com dezenas de gavetas. Velcros ao invés de zíper? Como alguém pode pensar numa sandice dessas? Em verdade, usava calça social, mas calça social, não os trapos rotos e polidos tão justos que fazem aparecer as marcas da cueca, muito menos as mirabolâncias de mil listras em voga entre os remediados e novos ricos. Ó Grande Lorde das Trevas, nós o presenteamos com essas almas temperadas com o mais ridículo do mau gosto jamais conhecido. Negativo, o camarada podia ser feio de lascar, e era mesmo, mas sabia se vestir sim senhor, nada daquelas camisas apertadas no colarinho e soltas na barriga ou, mais normal, o inverso. Folgas nos ombros? Braços sobrando? Nada disso. Um relógio discreto, mas imponente. Nenhum apetrecho na cintura, exceto uma cinta simples e bem colocada, nada de buracos extras feitos com tesoura.


Toda aquela figura, falando coisas ofensivas porque verdadeiras, tudo somado, a desconcertou. Pôs a mão no bolso da calça branca e tirou um maço de notas. Contou e entrego ao homem. Tentou manter a pose:


─ Tá bom assim? Não vai querer conferir para ver se paguei direito o homem?


─ Tá certo ─ disse o motorista. – Não fez a menor diferença. A conversa já não o incluía.


─ Ótimo, agora já posso dizer que você é a pior enfermeira jamais imaginada pelo diabo para atormentar pacientes inocentes. Quanta burrice é preciso para trocar uma injeção para enxaqueca com um comprimido antibiótico?


─ Do que você está falando?


─ Minha sobrinha, sua cretina, você sabe muito bem quem é. A mãe dela esteve aqui ontem, tentou falar com o médico, foi atendida por um outro qualquer que mostrou a receita. Tiraram o corpo fora e estão certos, não é problema deles ministrar os remédios, isso é problema dos enfermeiros.


─ E como o senhor sabe que fui eu?

─ Não preciso saber, é problema seu de todo modo, ou você não é a enfermeira chefe desse açougue?


─ Escuta aqui…


─ Não escuto merda nenhuma. Quem escutam são teus vizinhos, escutam toda noite o som dos caralhos entrando e saindo dessa coisa larga aí embaixo, aquele barulho horrível do ar saindo pelas laterais…


─ Seu filho da puta…


─ Ela me disse que quem deu o comprimido foi uma doutora. Anteontem. A mãe dela ficou sabendo que não havia nenhuma médica trabalhando aqui anteontem à noite. Então, eu vim aqui, ontem também. E vi você andando para lá e para cá, falando com os outros como se os tivesse comprado em Roma num lote recém chegado do Cairo. Esperei e deixei recado, mas você fugiu e eu tinha compromisso. Ela te confundiu com uma médica por causa da sua arrogância. E convenhamos, a única coisa em você maior que sua arrogância é a sua bunda.


─ Eu vou dar a volta e te dar uma porrada, seu desgraçado.


─ Não faça isso, pelo amor de Deus…eu vou ser obrigado a reagir e você vai gostar, será a primeira vez em anos que sentirá um homem de verdade te tocando, não um bêbado de fim de noite, não um desempregado que te coma a troco dumas moedas que você finge esquecer no criado mudo ou em cima da mesa, nem um noiadinho que só vai até a tua casa para levar a TV embora depois de te dar uma chupada meia boca, porque o pau dele não levanta mais mesmo…faz isso não…


Bonzinho tem que se foder – parte 4 de 10

6 março, 2009


Ela começou a dar a volta no balcão para se livrar do vidro que os separava, mas ele já havia tomado a iniciativa e foi no sentido inverso. Antes que ela se desse conta, apesar de um tantinho claudicante, ele já estava do lado de dentro, praticamente enfiando o dedo dentro do seu nariz.


─ Você não tem idéia do que seja dor mesmo, sua vaca. Nada que a tenha feito ir direto para a sarjeta se compara com o inferno que essa menina sofre. Sabe o que é ter Lúpus? É teu corpo te comendo o tempo todo, e não no sentido bom da coisa. Sabe quantos tipos diferentes de infecções essa menina já teve? Quantos órgãos estão à beira da falência? Sabe qual o grau de enxaqueca dela? É do tipo que faz uma tomografia parecer uma fotografia duma churrasqueira. Ela desmaiou de dor. E antes gritou, urrou, acordou metade da enfermaria. E acordou numa UTI.


Nisso, chegaram alguns seguranças e o pegaram pelo braço.


─ Senhor, venha por favor. ─


Não mexeu um músculo.


─ Senhor, é melhor vir com a gente.


─ Ou o que? Vão me bater para proteger essa torturadora de crianças? Ela trocou os remédios porque estava bêbada. Olha a cara de cachaceira dela. Sem um gole, isso aí não consegue nem mais respirar sozinha. Ela pode tomar quantas anfetaminas quiser, o remédio que for, não dá para esconder que é uma pé de cana. Se essa menina não for tratada decentemente daqui para frente, entre outras coisas, eu volto aqui todo dia, sua piranha do rabo gigante e flácido, vá catar seus cacos por aí antes de entrar naquele quarto outra vez.


Começaram a arrastá-lo, mas ele se desvencilhou e começou a sair sozinho, de costas. E ainda completou, olhando fixamente nos olhos da enfermeira:


─ Não me importa pra quem você tenha dado um dia nesse hospital, nem que esses dois a currem entre um gole e outro agora que nenhum médico te quer mais, o menos pior da sua vida vai ser perder o emprego, porque eu estou bem disposto a colocar uns e outros na cadeia por essa cagada. E tirem a mão de mim, puta que pariu, se eu já estou saindo vocês não precisam fazer mais nada, merda. Pela cara de vocês ela chupa tão mal quanto trabalha.


Sempre acompanhado pelos seguranças, passou reto pela entrada, o amigo se levantou, deu uma olhada ao redor e viu o povo todo com cara de quem não via a hora de também ir à forra. Teve pena dos funcionários. Mas tinha lá seus próprios problemas no momento.


Bonzinho tem que se foder – parte 5 de 10

6 março, 2009


─ Meia hora antes de se meter na conversa? Antigamente não seriam nem cinco minutos…


─ Antigamente eu tinha que ser rápido por problemas de agenda, você lembra de quantas alunas eu comia por dia?


─ Não me venha com lendas urbanas.


─ Mitos não são mentiras, meu caro.


─ Não, são córregos que a poesia transforma em Nilos e Amazonas.


─ Conversa fiada, precisamos repassar a nossa conversa.


─ Basicamente, saímos da festa, íamos buscar algumas amigas e de repente o cara da frente freiou sem mais e nem menos e você não freiou e socou a minha traseira com tudo.


─ De jeito nenhum eu vou dizer que entrei na traseira dum homem.


─ Ô merda…Você bateu o seu carro na traseira do meu, eu perdi o controle, rodei e fui parar no barranco. Simples.


─ Mais fácil que isso, só roubar um banco. Ou roubar dos clientes.


─ Mas aí, pelo menos se quiser ficar impune, você precisa montar um banco.


─ Verdade.


─ Pé na tábua, acho que fecha às três. Que horário de merda é esse?


─ Calma, foi assim que você acabou brincando de tobogã no barranco.


─ Eu não estava correndo.


─ Não, o carro estava. Você só estava bêbado.


─ Também não. Não muito. Eu acho… O pneu tava careca. E o amortecedor vencido. E desalinhado.


─ E de modo algum você tem qualquer coisa a ver com o acidente…


Bonzinho tem que se foder – parte 6 de 10

6 março, 2009


O causo era que o amigo havia conseguido a proeza de rodar sozinho numa rodovia, após sair dum churrasco de outro amigo. E como estava sem seguro, ligou para o amigo e pediu que esse batesse no seu carro para forjar um acidente e o seguro dele pagar o prejuízo. Depois de uns cento e vinte e nove nosso palavrões, assim foi feito. Em seguida ligaram para a seguradora, que enviou um guincho ao local. E naquele instante iam fazer um boletim de ocorrência tardio e fajuto para poder pedir a cobertura. Por sorte, choveu logo em seguida do fato, o que explicaria porque não tinham chamado a polícia antes. E também rendeu mais duzentos e trinta e oito palavrões seguidos.


A coisa correu fácil, apesar da demora, o amigo relatou o ocorrido, ele só soltou grunhidos confirmatórios. Papelada assinada, foram dar conta do terceiro problema do dia. Na verdade, o problema propriamente dito.


Entraram no carro e começaram a falar da bunda da policial que os atendera.


─ Chega de papo furado. Você é um idiota. E eu tenho provas. Um caminhão delas. Uma frota.


Bonzinho tem que se foder – parte 7 de 10

6 março, 2009


E de fato tinha. O outro caso ali era que a menina estava chantageando-o. E ele nada devia, mas não tinha como provar, fodido fodidinho. Por conta da sua própria bondade acabou por se ver sem ter como não ser apontado como pai. DNA era fora de cogitação porque não havia mais o que comparar por causa do aborto que ele financiara, assistira e ajudara a esconder os rastros, um trabalho feito com a sutileza e eficiência de um gordo bailarino. Vai daí que os primos traficantes ficaram sabendo de tudo e de seu envolvimento até o mais extremo dos pontos: culpado. Julgamento sumário. Execução ao amanhecer, com bala custeada pela família dele. A única saída era ela apontar o verdadeiro pai, mas a meliante viu que era mais negócio ganhar uma grana em cima dele, porque, afinal de contas, tinha-lhe entregue um diploma de otário.


─ É simples, eu sei. Você é uma bicha que não sabe seu papel na ordem natural das coisas. Não se pode ser bacana e atraente ao mesmo tempo meu caro, não se pode conquistar e ser desejado ao mesmo tempo.


─ É o que você diz…


─ Eu sou grotesco, posso ser estúpido sem medida alguma, não preciso medir nada, as conseqüências serão sempre as mesmas para mim. Mas para pessoas normais, é diferente, há um limite que não se ultrapassa, um ponto a partir do qual os efeitos acabam custando mais do que os prováveis benefícios. Mas é um limite, não é uma proibição.


─ Mas que merda de argumento é esse?


─ Mas como é tapado…mulheres adoram uniformes, certo?


─ Dizem.


─ Jesus… Adoram. A firmeza, a dureza, até a rudeza, mas vá um guarda tacar-lhe uma multa para ver se ela vai suspirar por ele…


─ Certo, você tem um ponto.


─ Eu não ligo para pontos. É um fato. Tal qual você ser um idiota.


─ Só tentei ajudar.


─ O idiota aqui é você. Não me trate assim. Você queria abraçá-la, segurar suas mãos no momento difícil e conduzi-la para a cama mais próxima. Só um burro pode acreditar que beleza interior dá tesão.


Bonzinho tem que se foder – parte 8 de 10

6 março, 2009


Naquele ponto o plano era bem simples: fogo contra fogo. Ela se dizia obrigada a carregar coisas para os primos, inclusive para o filho da patroa. Tão obrigada quanto um padre o é a olhar os decotes na primeira fila, mas, claro, ele acreditava nessa versão da história, ou pelo menos não se importava muito, ou mesmo nada. Então o causo era só armar um flagrante, pegar o bagulho e ameaçar levá-la para a delegacia, junto com o pirralho, chamar a imprensa para filmar o filhinho de papai, enfim, jogar a merda no ventilador. Mamão com açúcar, porque, por mais que fosse espertinha, era só uma adolescente viciadinha, sem miolo para pensar rápido. E de fato, minutos depois, tudo correu como o planejado, com algumas corridas, uns empurrões, uns gritos, enfim, essa merda toda até pegar a mercadoria na bolsa dela, esperar o camaradinha chegar, dizer umas poucas e boas, fazer cara de mau, coisa e tal. Mas deu certo.


─ Você acredita mesmo que mulheres se atraem por beleza exterior?


─ Não, não acredito. Eu vejo.


─ Mas isso não acontece.


─ Acontece.


─ Não acontece não.


─ Acorda quinta-série. Elas enxergam algum outro tipo de beleza, mas ainda é beleza. O que nos atrai ainda é o que interessava aos nossos bisavós peludos. E a elas idem. As coisas só estão um pouco mais engalanadas, mas no fim é a mesma merda das cavernas.


─ Cara, você não pode usar a biologia na psicologia.


─ Talvez, mas posso encadear os fatos logicamente. Estupradores e traidores são mesmo só imbecis com fraqueza moral, mas nem por isso deixam de sentir tesão por mulheres gostosas, bundadas, peitudas, mas saudáveis, ou seja, firmes, novinhas de preferência.


─ Isso não faz sentido.


─ Faz todo sentido. O que não faz sentido é achar que sendo bacana irá conseguir o que não consegue como qualquer outro homem consegue. Isso sim é estupidez. Não se atrai uma mulher sendo feminino. Nem lésbicas fazem assim, por motivos óbvios.


Bonzinho tem que se foder – parte 9 de 10

6 março, 2009


─ E o que você sugere? Que eu coce o saco em público?


─ Surtiria mais efeito. Ou pelo menos traria menos problemas.


─ É um raciocínio machista, cara.


─ Foda-se o adjetivo. Você quer os mesmos resultados com métodos diferentes, burrice. Não se cozinha um ovo com frigideira. As regras são simples, cara. Para fazer alguma coisa você pode ser bom, tornar-se bom ou se conformar. Você tá atrás da quarta alternativa. Você não aprendeu nada com a Lola?


Lola era na verdade Lorena Larissa Eloísa Silvério, múltiplas homenagens às avós que jamais fizeram um nada por merecer, mas isso não vem ao caso agora. Ele conheceu essa tremenda gostosa numa festa qualquer. Depois se encontraram casualmente mais umas vezes, até que um dia combinaram de sair juntos. Juntos, mas não sozinhos, que hoje não é assim que se faz, uma estupidez sem tamanho porque é impossível conhecer alguém melhor no meio de uma multidão que dispersa a atenção do objeto de estudo, mas enfim, jogo jogado, iam naquela noite a uma balada qualquer.


Estava mesmo a fim dela. Como toda bruxa, ou seja, toda mulher, sabia disso perfeitamente.


E enquanto ele se arrumava, ela liga dizendo que estava no meio duma estrada escura com o carro pifado. Claro que ele foi lá correndo. A donzela em apuros fora parar ali porque era caminho para buscar uma amiga. Fuça daqui e dali, sem saber merda alguma de mecânica, ligou para um profissional. Mas começou a chover. E ela tinha combinado com as amigas de passar lá. E, claro, ele emprestou o carro para ela, depois o pegaria quando chegasse no bar da moda. E lá ficou o idiota, trancado dentro do carro velho dela, num calor do capeta, sem ar condicionado, obviamente.


O profissional chegou duas horas depois e o jeito era um só: guincho. De modo que ele pulou do caminhão em frente ao bar, deixando a verba na mão do motorista. E chegando lá, dá de cara com ela com os beiços enroscados nos de outro cidadão qualquer. Mas tudo bem, foi ficando por ali mesmo, havia outros amigos. E todos vendo o papel de idiota que ele sabia fazer tão bem. Se o mundo pudesse perder seu tempo com alguém tão imbecil, certamente aplaudiria a sua maestria naquela noite. Em pé, pode ter certeza.


Bonzinho tem que se foder – parte 10 de 10

6 março, 2009


E foi seguindo a noite. Ela dava um segundo ou outro de atenção a ele, mas no geral, era como se não estivesse por ali. O que seria bem melhor e bem mais inteligente, mas já que estava com a merda pelo pescoço, dar uns mergulhos era o de menos. Ele sonhava que pelo menos conhecendo outras amigas gostosas dela poderia, eventualmente, diminuir o prejuízo, pobre imbecil. E foram justamente elas o pivô de toda a bosta que se seguiu.


Não só ela buscou três amigas com o carro dele, como ainda encontrou outras três ali e prometera carona. Com muito jeitinho, ela perguntou se ele não se importava de levar a todas embora. Claro que não, de modo algum, jamais. O diabo era que não caberiam sete pessoas num carro. Então, veio à sua mente a única solução possível: fazer duas viagens. Certo, certo. Mas aí havia mais um problema: o garanhão. O coitado também estava sem carro aquela noite e os amigos já tinham ido embora, deixando-o por ali. Bom, sendo assim, numa situação fodida dessas, só havia mesmo uma coisa a se fazer: emprestar o carro e ir embora de táxi. Sem dúvida. E assim foi feito. Mas ela não fez duas viagens, não. O cara foi no banco do passageiro e as outras se amontoaram lá atrás.


Era coisa de cinco da manhã quando seu celular tocou. Atendeu e ela começou a dizer que não sabia como tinha acontecido, não era ela que estava dirigindo, não entendeu, não viu bem o que tinha acontecido, mas agora já estava ali daquele jeito e…ele cortou, perguntando se alguém havia se machucado e ela disse que não, que tinham batido o carro numa parede. No motel. O tal garanhão bateu o carro dele num motel com a mulher que ele queria foder e até gostava de verdade. Verdade seja dita, cogitou desligar o telefone, mas tinha o problema do seguro. E lá foi ele. De novo de táxi. Era perto, uns doze quilômetros da sua casa.


Chegando lá, viu o acontecido. Na hora de sair da garagem o cara deu a ré sem noção de distância e raspou a traseira na quina da parede. Tentou consertar a cagada virando para o outro lado e foi para a frente e aí fodeu a parte da frente. Então o carro ficou raspado de fora a fora dum lado, com um amassado no ponto onde o imbecil parou na primeira etapa da grande fodeção com o veículo alheio. Na verdade não soube de nada, porque ela só sabia pedir desculpa sem parar e o camarada já tinha dado no pé, mas não era preciso ser gênio para concluir o que se passara.


Merda feita, o negócio agora era tentar limpar o rabo. Ligou para o seguro, aquela coisa toda. E ela entre uma desculpa e outra, disse que precisava ir, já era tarde, os pais podiam ficar preocupados. O problema quanto a isso era que o carro tinha que ficar ali até o guincho chegar, por causa duma porra duma exigência tremendamente estúpida e fodida da seguradora, e ela estava sem dinheiro. Ainda bem que ele tinha resolvido pegar a primeira calça que viu e era justamente a da noite passada e tinha sobrado uma grana. E por falar em grana, nesse momento veio o gerente retoricamente perguntar quem ia pagar a conta.


Ficou ali até o guincho chegar. Subiu no caminhão e pediu uma carona até em casa, porque não tinha mais dinheiro no bolso, mas o motorista disse não. Sorte que nem tudo está perdido nesse mundo: ganhou uma carona até o centro, o que sem dúvida alguam era um puta dum negócio. Depois de descer e bater duas quadras atrás dum caixa eletrônico, lembrou que esquecera o cartão em casa no meio da saída apressada. Mas, era um domingo de manhã, uma bela manhã cinzenta e fria. E caminhar faz bem. Então lá foi ele. De chinelo de dedos e camiseta furada.


Morro abaixo – parte 1 de 3

16 fevereiro, 2009

A propósito, diria Mestre Miaggi: andar lado esquerdo, poder; andar lado direito, poder; andar meio, morrer esbagaçado caminhão estrume.

Houve um tempo em que ela tinha apenas uma vaga idéia do que fazer. E uma coisa que pensava era que era impossível viver sem uma razão, qualquer que fosse.

Mas parece que as coisas melhoraram por agora: já não tem mais idéia alguma do que fazer. Razão pela qual, vai deixando do jeito que está para ver como é que fica.

Nem sempre foi assim. E nesse outro tempo, antes mesmo de ter apenas vaga idéia, era diferente, pensava diferente, agia diferente, tudo porque sentia diferente: sentia-se bem, ainda. Porque tinha muitas razões para viver. Sempre achava no mundo uma nova razão para viver, todos os dias uma diferente.

No começo do fim dessa época é que inventou de voltar à Finlândia, para o casamento da sua amiga de intercâmbio, moça que só não é princesa por culpa da injusta distribuição de renda daquela capitalismo malvado da Europa, porque ela é mais bela do que dizem os livros a respeito das princesas, então, só pode ser porque algum empresário quer que a filha dele seja princesa e não quem tem o direito. Esses capitalistas, malditos sejam, mil vezes.

O diabo é que moça veio ao seu, já faz tempo e tempo. E agora queria retribuir. Certo que andava de saco cheio com tudo e com todos, às vezes por alguma razão, às vezes por algumas razões, mas, cada vez mais e mais, por razão nenhuma mesmo.

Recebido o convite, achou que era bom negócio ir até lá, o que, para qualquer um com atenção mínima, quer dizer que era uma bela chance de ficar longe da própria vida por uns dias.

Financeiramente, não era um problema dos maiores, coisa que se resolvia, mesmo com alguma dor no futuro, mas questão solúvel, sem sombra de dúvida. Mas foi aí, nesse ponto, como quase sempre, que o marido, imbuído dum maldito espírito machista reacionário, não a deixava ir. Como se já não bastasse tê-la impedido de tantas outras coisas por causa do casamento, o chauvinista. Primeiro, pretendia ser uma grande engenheira, mas quando casaram, o marido e colega de profissão, além de sócio, como todo homem, inventou de buscar a perfeição e fazia trabalhos cada vez melhores e ela se viu obrigada deixar ele cuidar da maior parte dos trabalhos, enquanto ela ficava mais com o social, quer dizer, relações públicas, mas era claro que sempre seria ele a receber os louros, o que era praticamente o fim de sua carreira. Arrumou umas aulas, mas com o tempo os alunos foram ficando cada vez piores, mais chatos, ranzinzas, a administração a cobrar cada vez mais reuniões e burocracias e ficou sem paciência para a coisa, só continuando para ganhar mais um dinheirinho, porque nunca lhe sobrava o suficiente para comprar todos os sapatos que gostava. Lá pelas tantas queria ser modelo, mas o porco vivia lhe lembrando que estava acima do peso e também que se fosse se dedicar a isto, teria ainda menos tempo para o escritório e que se desse errado, ela ficaria sem nem uma coisa e nem outra. Concluiu que sem um apoio mais contundente, seria impossível uma carreira dessas.

Chegado o convite, no fim dum dia infernal, de pronto obstinou-se em ir.


Morro abaixo – parte 2 de 3

16 fevereiro, 2009

Mas o chalaço só colocava empecilhos, sempre lembrando que o dinheiro que tinham na poupança tinha sido gasto num carro para ela e num terreno para os dois. Sempre a merda do dinheiro, como se isso fosse tudo na vida.

Num sábado, estavam no mercado, atrás dum sorvete que ela tinha ficado com vontade de comer, e encontraram os pais dela. Combinaram de almoçar na casa deles. Tudo certo, foram levar as compras embora. No meio do caminho, a mãe liga dizendo que tinha problema e que a comida só ficaria pronta lá pelas quatro. Ele, esganiçado que é, falou que não agüentaria tanto porque não tinha nem tomado café, o preguiçoso. Então combinaram de largar as coisas em casa e comer algo num shopping e ir almoçar com os seus genitores no domingo. Chegaram, arriaram tudo. Ela ligou para a mãe, dizendo que iriam logo em seguida. E o maldito ainda teve a cara de pau de se opor.

E então ela jogou tudo na cara dele, com prazer, força e vontade. E então começou uma briga dos infernos. E então ele saiu de casa. E ela foi até a casa da mãe. E comeu bastante do cupim assado. E, como mãe é mãe, pediu uma grana emprestada. E, depois da sobremesa, foi até o shopping, entrou na agencia e comprou uma passagem para a Finlândia.

Chegou uma noite antes do casamento, umas onze no horário de lá. No dia seguinte, acordou mais ou menos onze horas, porque não conseguiu dormir direito no vôo. A noiva já estava se preparando no centro da cidade. Ficou com as irmãs, das quais nem lembrava direito. Finalmente, à tarde, começou a se arrumar. No começo da noite, saíram todos rumo à Igreja.

A cerimônia foi basicamente como qualquer outra, só que em finlandês. Ao fim, cumprimentados os noivos, foram para festa.

A festa foi num lugar muito bacana, uma grande casa que lembrava um pequeno castelo, um restaurante dum amigo, parece. Tentou levar a amiga para sua mesa, mas a toda hora era interrompida por alguma tia, prima, amiga, colega de escritório, todo mundo o tempo todo, um saco. E parecia que nem se importava que tivesse viajado de tão longe, caramba. Continuou tentando, mas viu que não daria certo e desistiu. Acordou no dia seguinte, cansada da festa, lá pelas dez, mais ou menos no momento em que o avião da amiga partia. O dela saiu às duas da tarde.

De volta, foi trabalhar e já deu de cara com um cliente reclamando dum atraso na obra. Mas que culpa ela tinha se o Mestre de Obras não sabe ler uma planta direito? Fosse pouco, à noite um aluno perguntou se ela iria repor as aulas que faltara, o que nem precisava, era só eles lerem os capítulos certos do livro.

Chegou em casa, o suíno queria ainda fazer sexo, sempre, sempre essa merda, não importa quanto estivesse cansada, ainda mais depois de tantas horas de vôo e do dia infernal. Foi tomar banho e dormiu sem nem dar boa noite para o canalha.

Pela manhã, pensou em pedir o divórcio, mas era tanto trabalho, e custaria tanto com advogados e com certeza ele haveria de encontrar um modo de passá-la para trás.


Morro abaixo – parte 3 de 3

16 fevereiro, 2009

Pegou o carro e foi visitar uma amiga que não via desde a adolescência, numa cidade mais ou menos perto, umas quatro horas de viagem. Ficou lá dois dias. Voltou e começou a visitar todas as amigas, deixando o escritório e clientes de lado, porque já não compensava mais mesmo.

Depois de uns dias, começou a achar que suas amigas não eram tão amigas assim. Não sentia mais gosto algum em revê-las.

Passou então a ver peças de teatro, filmes, visitar museus, exposições.

Tempos depois, o marido, que já não bastasse brigar com ela toda santa noite, sempre chegando tarde o miserável, inventou que ela tinha que procurar um médico. Chorou de novo e foi dormir.

Acordou perto do meio diz, que o asno não parava de se mexer na cama, juntou suas coisas e foi para a casa da mãe, embora não falasse com ela já há meses. Estava cansada e foi dormir, sem muito papo mesmo.

No outro dia, viu que aquela casa já não tinha mais a menor graça, nada tinha a ver com o que lembrava, embora até fosse tudo meio parecido ainda. E decidiu ir embora dali também.

E passou a viver em hotéis, cada vez mais baratos. Mas um dia o limite do cartão estourou. O vagabundo nem para pagar as contas. E então teve de dormir na rua, um dia em cada marquise. E foi comprando comida conforme dava. Passou a pedir, mas como as pessoas estão cada vez mais individualistas, ficou cada vez mais difícil. Foi obrigada, portanto, a cair na prostituição. E em pouco tempo nem sentia nojo e nem nada, era só um trabalho como outro qualquer.

Uma noite, enquanto o cara bêbado tentava fazer alguma coisa, dormiu de tão entendiada. Acordou num hospital. O médico disse que estava com anemia severa, além de uma infecção, que precisava comer, mas a comida do hospital era uma droga e não conseguia nem dar uma segunda colherada. Só queria dormir.

Um dia acordou em outro hospital. E viu que ali ninguém fazia muita coisa. Podia nadar por aí, mas acabou encostando num canto, perto duma árvore. E ali passava os dias, sem decidir se dormia ali mesmo ou no seu quarto. Não fazia a menor diferença, porque não mais achava no mundo afora nenhuma razão para viver, então, achou que o melhor a fazer era esperar a morte chegar. E esperou. E espera até hoje.


A Morte de Craig Wilson – capítulo 1 – parte 3 de 8

5 janeiro, 2009

 

Não sei porque um bando de moleques (nem tanto, na verdade) maltrapilhos (menos vítimas dos czares da economia que desleixados) se reúne embaixo de uma garagem de eternit para divagar sobre a origem do universo, teoria da relatividade, teoria da evolução e coisas assim; mas acontecia. E se os gregos conheceram os peripatéticos, aquele conjunto conheceu a versão século XX deles: muitas vezes discutíamos enquanto corríamos pela cerca do conjunto, uma maluquice que invariavelmente terminava com algum morador nos mandando sair da grama e coisas do tipo. Vá lá que nossas idéias fossem mais infantis que nossa mania de chamar táxis para apartamentos vazios, mas ao menos me fez alimentar o senso crítico. E só.

A merda do conjunto era um amontoado de pequenos blocos com oito apartamentos cada. Cada bloco era composto de outros dois pequenos blocos, ligados por um corredor, de modo que cada um dos sub-blocos tinha dois apartamentos no solo e dois em cima. A melhor imagem para isto é a de um cérebro. Havia o conjunto I e o II, entrecortados por uma rua normal, uma subida íngreme que nos matava cada vez que voltávamos da cancha de areia. Cada conjunto era cercado e contava com dois estacionamentos e um parquinho (playground). Abaixo dos conjuntos ficavam “as casas”, outro conjunto habitacional. Os blocos eram separados por espaços gramados, ás vezes com árvores. Os estacionamentos eram tomados por pequenas garagens de madeira e telhas eternit, aquelas cinza, cercando o espaço de antipó, aquelas pedrinhas que antigamente substituam a terra nua à espera do asfalto liso. Estas garagens serviam de traves para os jogos de segunda a sábado. Aos domingos, como havia mais gente, jogávamos na tal cancha, dois mil metros abaixo do conjunto.

Ao lado da cancha havia um pequeno espaço da companhia de água. Era na verdade uma grande fossa, que recebia o esgoto de toda aquela região. Só que havia ali uma torneira que raramente secava. E isso era muito importante, muito importante. Aquele lugar ficava uns cinco quilômetros para lá de onde foi achado o cadáver do Judas e naquela época eram comuns racionamentos de água em toda a cidade. A prefeitura mandava uns caminhões pipas levar água para a turba miserável, mas lá na esquina do fim do mundo, imagine quando e quanto é que chegava. Como a torneira estava à disposição – ou nem tanto, porque a área era cercada -, as pessoas iam até lá encher baldes e latas. O problema era a distância para “os apartamentos”. Problema maior era a subida. Problema que me rendeu muitas guloseimas. Não lembro ao certo, mas creio que para buscar um balde de água recebia o suficiente para comprar quatro ou cinco pacotinhos de snacks, não dos mais nobres, claro, das marcas cretinas mesmo. Não sei porque, mas eu tinha uma certa mania de comer estes snacks, como muita gente aliás. Mas podia ser um cinema, ou qualquer outra coisa. Normalmente qualquer outra coisa.

Também rendia alguma coisa buscar leite de manhã. Só que menos e mais problemático. Num arroubo socialista, o governo da época decidiu distribuir uns tais “tickets do leite”. A idéia era garantir um mínimo de alimentação à população, mas o diabo foi a escassez do produto, tsc, tsc, e olha que a perestroika tava em andamento. O mercadinho abria normalmente às sete horas. O leite, nesse tempo, durava até sete e quarenta e cinco, quando muito. O negócio era estar cedo na fila, pegar a cota de dois pacotes e voltar para pegar mais para os vizinhos que não podiam estar ali. Com o tempo a oferta caiu ainda mais e meu negócio faliu porque não dava tempo de voltar à fila muitas vezes e mesmo que desse não havia leite suficiente a todos. Ainda assim continuei acordando cedo, para abastecer a geladeira de casa, se chegasse na fila depois das seis e meia não haveria leite suficiente. Por um mês ou dois cheguei cinco e meia na fila, pela diminuta oferta. O mercadinho estava a duzentos ou trezentos metros do meu apartamento. Não duraram muito estes dias cubanos, uns cinco ou seis meses, pelo que lembro.

 


A Morte de Craig Wilson – capítulo 1 – parte 4 de 8

5 janeiro, 2009

 

Com a falência do negócio do leite – o da água era muito sazonal -, resolvi abandonar o setor terciário (era assim que se chamava na época) e voltei-me ao secundário. Houve uma promoção, uma jogada de marketing, que consistia na troca de embalagens de certa marca de chocolates por uns joguinhos de papelão, muito curiosos e que por mistérios da natureza humana tornaram-se uma coqueluche entre a molecada, era, sei lá, um troço qualquer que todo mundo quer ter hoje em dia, mas sem a opção dos camelôs e da internet para a pobraiada fedorenta. Simulavam corridas de fórmula um, com pistas, carros e, isto era o mais engraçado, dados, tudo montável, tudo de papelão. A dificuldade estava em conseguir comprar chocolate o suficiente para ter os jogos. Na verdade, o problema mesmo era a durabilidade do brinquedo. Por ser de papelão muito fino, seu manuseio diminuía sua vida útil, tanto mais se jogado em muitas pessoas, o que era freqüente. Sem contar os acidentes e as brigas. Seja como for, deu-se o básico: encontre uma necessidade e satisfaça-a. Comecei a vender os tais jogos. Com cinco ou seis eu ia ao cinema ou, bom, você sabe: qualquer outra coisa. Eu saía do colégio no centro e ficava pelas ruas catando as embalagens. Às vezes ficava a tarde toda de sábado ou domingo fazendo isto. Daí era só trocar e vender. Foi um negócio bem sucedido, por assim dizer.

Eu vivia inventando essas coisas. Aliás, todos inventavam coisas assim. Moleques capitalistas! Uns vendiam papagaios (não a ave), outros jornal, papel, linhas de costura roubadas das mães, cabanas no matagal que rodeava os conjuntos, passarinhos, balões de São João (o ano todo), até gatos vira latas eram vendidos para as meninas. Mas o negócio mais lucrativo era vender frutas ao mercadinho. Isto consistia em dupla tarefa, uma a de colher as frutas e transportá-las até a casa de alguém, para depois vender uma certa quantidade. A outra era descobrir novos pomares nas chácaras ao redor para furtar as frutas. Era comum andar quilômetros pelo meio do mato para achar uma chácara farta o suficiente. É claro que ninguém ganhava nada além do necessário à manutenção dos supérfluos infantis, ainda que não fossemos, em geral, tão novos assim.

O escambo também era forte. Os clássicos gibis, selos, figurinhas, bolas de gude – as mais valorizadas eram as de aço, oriundas de rolamentos, chamadas “canhão” -, e até fitas cassete gravadas com músicas das paradas. Aquele lugar, visto de hoje, era como uma comunidade perdida. E o negócio era matar o tempo. Certas coisas são mesmo universais. Bobagem, nada é universal, foi só figura de linguagem.

 


A Morte de Craig Wilson – capítulo 1 – parte 5 de 8

5 janeiro, 2009

 

Ir ao cinema era a grande aventura. O problema, como sempre, era o dinheiro. Outro problema era a autorização dos pais dos mais novos e outros nem tão novos assim, uma coisa bem provinciana, normal à época. Ainda havia alguma censura aos filmes, na verdade uma proibição etária, infelizmente bem fiscalizada, mas já não metiam o dedo no conteúdo (acho eu). Tomávamos conta do fundo do ônibus. Sempre havia um rádio junto. Outro dia vi uma turma tomando conta de um ônibus. Puta que pariu, troço infernal. Acredito que éramos piores, embora herméticos. A bagunça começava já no passar da roleta. O preço da tarifa exigia muitas notas. Normalmente guardamos cédulas umas dentro das outras, em formato de um “u” ou “v”. Mas é possível juntá-las umas dentro das outras, entrelaçadas, com a boca de um “u” entrando dentro do outro, um beijo monetário, e depois colocando uma outra pela lateral do volume, e assim por diante, formando um suruba cedular. Era assim que entregávamos o dinheiro do ônibus ao cobrador. Ou então, nas menores moedas possíveis, normalmente a menos do que o necessário, ou ainda de ambas as formas. E não há Cristo ou Maomé que vá conseguir me fazer entender porque eu achava isso divertido. E sarrear com nossa pobreza era lei, a qualquer minuto alguém soltava: quem trouxe a marmita? Onde a gente vai tomar gasosa? Um dia perguntaram sobre um sanduíche de mortadela. Alguém respondeu que havia escondido na meia. Pois bem, fiz exatamente isto no cinema seguinte: escondi um sanduíche de mortadela na meia e o saquei. Faltou coragem para comê-lo, ninguém ousou, o que me frustrou um pouco: façam o serviço completo, porra. Noutra vez ninguém levou rádio, no lugar levaram uma vitrola de mão, engenhosamente adaptada para funcionar com pilhas. Não recordo bem, mas desconfio que tocaram um disco do Modern Talking. Ou do Boney M. Ou outra porra ruim dos infernos. Também não lembro como é que o aparelho entrou no cinema. Acho que ficou no banheiro de algum shopping. Tudo ridículo, não há dúvida. Era induvidoso o ridículo, simplesmente não resistíamos. Claro que é bem mais ridículo contar suas memórias à espera da morte iminente. Isso poderia render um bom filme.

Trocar porrada a esmo era outro passatempo particularmente comum. Não gostava muito, ainda que não fosse dos piores. Volta e meia o tema da conversa era saber o que poderia acontecer numa briga entre fulano e sicrano. E, claro, sempre que possível provocávamos os tais. O ranking variava quase todos os dias, mas só nas posições intermediárias, nas superiores e inferiores raramente havia mudanças. Essa loucura me lembra os estereótipos dos povos bárbaros, os quadrinhos do Hagar, essas coisas. Será a natureza humana? Pode ser, mas talvez seja só falta do que fazer e efervescência hormonal. Ou idiotice mesmo. Aposto um picolé de limão chupado pelo cão sarnento nessa última.

Mas tudo isto não é importante. São menos que lembranças. O caso mesmo é outro.

 


A Morte de Craig Wilson – capítulo 1 – parte 6 de 8

5 janeiro, 2009

 

A história começa mais no menos na época do sumiço do Astronauta.

Astronauta era um moleque que andava com a gente. Era mais novo e uns duzentos e cinqüenta por cento idiota, mas por qualquer motivo gostávamos dele. Tinha este apelido por dois motivos, um porque era de fato avoado, alienado, tonto mesmo. Outro era seu nome: Benerson Astrogildo Ferreira da Silva. De Astrogildo para Astronauta é um pulo. Seu pai era um dos muitos chatos que nos mandava parar de correr na grama. Era um bêbado, descia o sarrafo a valer na esposa e nos filhos, mesmo no de colo, o que era muito sussurrado e pouco falado. A polícia o prendeu uma vez, por causa de uma briga com a mulher. Briga no caso quer dizer uma saraivada de porradas com a tampa da panela de pressão. O Astronauta não era assim tão novo, mas a mãe o levava e buscava da escola, que ficava perto da cancha de areia. Havia a suspeita de que ela fizesse isto para evitar que o pai o matasse atropelado ao chegar do serviço. Pode ser que fosse só fofoca, mas não considero impossível, não pelo que sabia acontecer. Houve uma semana em que o beberrão exagerou e bateu em todo mundo todo dia. Como se não bastasse, ainda colocou fogo no apartamento. Dois dias depois disto, fomos chamar o Astronauta para buscar umas frutas. Batemos na porta e perguntamos por ele à sua mãe. Esta nada disse, só balançou a cabeça e fechou a porta. Como ela não ia muito com a nossa cara, como quase todo o condomínio, deixamos para lá. Dias depois é que soubemos a verdade. Ele havia sumido, sem mais nem menos. Como o pai também andava sumido por aqueles dias, o comentário era óbvio. Dois dias depois o pé de cana apareceu, todo engessado e enfaixado. Mas o Astronauta, não. E todos pensaram que o pai havia matado o filho. Ninguém sabia ao certo a razão daquele ódio paterno, mas corria uma história fantástica. Dizia-se que aquela era a segunda mulher do cidadão, irmã da primeira, a qual morrera no parto do Astronauta. Mais ainda, ele seria na verdade filho de um outro sujeito, amante da mãe. Pode ser só maldade de gente da periferia, mas de fato o moleque não se parecia nem com a mãe e nem com o pai, ele era gordo até não poder mais e os dois eram magros como etiopianos. Nunca soube se isto era ou não verdade, mas se pode chover sapos, então pode ser que coisas ruins também aconteçam, por mais fantásticas que sejam. Nunca mais o Astronauta apareceu.

 


A Morte de Craig Wilson – capítulo 1 – parte 7 de 8

5 janeiro, 2009

 

Uns três anos atrás eu soube da verdade, a qual é mais fantástica que qualquer das histórias já inventadas sobre aquela família fodida. Encontrei-o totalmente por acaso numa farmácia. Patati, patatá, nheco-nheco, bah, blá, tititi, enfim: no dia do incêndio, ele havia tirado os freios do carro do pai, o que aprendeu de tanto ir torrar o saco alheio numa uma oficina lá “nas casas”, o que era uma idéia totalmente sua de muito tempo, e naquela mesma noite roubara uma garrafa de pinga do mercadinho, puta merda, justo ele que era o medo em pessoa, e espalhou um litro de aguardente pelo interior do carro para o pai ser preso numa blitz, no que fora inspirado em uma história do Demolidor (eu emprestei o gibi a ele, que nem gostava de histórias de super-herói, porque não conseguia entender o que acontecia e lia muito mal), mas no fim nem precisou de nada disso. Em casa, escondeu todas as garrafas do velho. Quando o pé de cana quis dar uma azeitada nas juntas, não achou merda nenhuma e começou a pancadaria, que culminou com o tal incêndio, cuja causa ele não explicou, apenas disse que nada tinha com aquilo, mas que viera a calhar. O pai saiu de casa para comprar cachaça, mas sabê-se lá porque o levou junto. Como era tarde da noite, rodaram um bocado e não acharam nenhum boteco. De repente, caiu de dentro da jaqueta do Astronauta um pequeno frasco de uísque, que aliás era um dos xodós do pinguço. O velho ficou tremendamente puto da cara desceu e sentou porrada com gosto. E ele então confessou que todas as garrafas estavam no porta-malas. O traste parou o carro na hora e foi conferir. Nisto estavam em uma rodovia que passa lá por perto do conjunto, só que já alguns quilômetros longe, em direção ao interior porque o cidadão estava bêbado demais para perceber que dirigia para o lado errado: não ia encontrar um boteco antes de rodar uns cinqüenta quilômetros! De fato, as garrafas estavam todas lá, até as que ficavam escondidas no motor da geladeira.

Mais emputecido ainda, o pai deu a volta, abriu a porta do carro, arrancou o Astronauta de dentro e continuou a soca-lo com vontade. Bateu tanto que ele perdeu a consciência. Acordou em um hospital. Lá contaram que fora encontrado em um rio. O carro caiu de uma ponte, a porta se abriu e ele foi levado para longe pelas águas, não muito nervosas ali. Nunca mais voltou para casa. Foi morar na rua, viveu por aí, como um menor abandonado. Estava caindo na criminalidade pesada quando foi parar em uma casa de meninos, isso dois e mil quinhentos quilômetros ao norte. Ali descobriu que era um grande cantor. Entrou para um coro de Igreja, depois para uma banda de formaturas local, depois uma banda de formaturas da capital. E assim vive até hoje, tocando em bailes de formatura. Está bem de vida, casou, comprou casa, carro e já até conhece Miami. Tava mais gordo que nunca.

 


A Morte de Craig Wilson – capítulo 1 – parte 8 de 8

5 janeiro, 2009

 

E aí contei a ele o fim que o filho da puta levou. E fiquei muito feliz em ver que ele ficou feliz em saber do acontecido, disfarçou, mas ficou feliz. Foi um desfecho digno da tralha que era, faz a gente até pensar em justiça divina. Depois que o carro caiu da ponte, Deus resolveu dar mais uma chance, contabilizando uns seis trilhões delas, e ele voltou para casa. A polícia o encontrou caído no local do acidente e, como o carro estava cheio de sangue e fedia a pinga, fora preso. Não se sabe como, escapou e foi para casa. Mas a polícia o encontrou logo. Para seu azar, dois dias depois foi encontrado o corpo de uma menina, estuprada e morta, a cem metros do lugar do acidente. Nas fofocas, o corpo da menina se transformou no corpo do Astronauta. Na cadeia adoeceu de vez. Meses depois se descobriu que nada tinha que ver com o crime. Ao sair, passou no boteco e encheu a cara. Ao chegar no conjunto, passou pelo estacionamento, se escorando até em cachorro, cambaleando e andando de quatro e até se arrastando, uma coisa linda de se ver. Xingou todo mundo e seguiu em direção a seu apartamento. Quando já ia saindo do estacionamento, alguém chutou a bola em sua direção, sei lá eu se de propósito. E acertou bem na cabeça. O azar é que o estacionamento acaba, naquele ponto, em uma pequena escada de cimento. E o velho rolou escada abaixo. Ficou paraplégico. Ficou dois dias no hospital. A ambulância trouxe ele de volta lá pelo meio dia. À noite a mulher foi embora com os filhos. Ele morreu sozinho, não gritou porque em volta de sua cama a mulher deixou dezenas de garrafas de pinga. Bebia e dormia, não comia, o sacripanta não podia mexer as pernas, mas se virava para catar as benditas garrafas. Quando a bebida acabou, já estava tão fraco que não conseguia nem falar. Morreu de fome. Mãe e filho nunca mais se viram. Mas isto se deu depois. No tempo em que pensávamos que o Astronauta fora assassinado pelo pai a tristeza era geral. Era um gordo de merda, mas era da turma, era gente nossa e fazia falta numas aventuras. E tem uns vagabundos, engomadinhos de merda que não querem que seus filhos nem sequer saibam de coisas assim, que dirá ver de perto. Pro inferno! Meus diplomas não me servem nem para limpar o cu, porra.

Não importa quanta imaginação se tenha, nem quanto se leia ou se ouça ou se fale, nada é mais fantástico que a vida. O tempo todo acontecem coisas que estupram toda compreensão e alargam os limites da imaginação. Por que parece o contrário? Porque a porra do cotidiano envenena a razão, o que nos faz tomar os meios como se fossem fins. É um caralho de ferro vermelho vivo de quente, vinte e oito por oito, fodendo em ritmo de britadeira com nossa mente. Não é só. É a merda do paraíso, a perfeição divina, todas estas idéias sobre outros mundos, outras vidas, dimensões, seres evoluídos, energias superiores e tal e tal e tal. Idéias que atravessam os tempos porque os tempos não tiram dos homens seu desejo de segurança, de conforto e de um raio dum objetivo único e comum para tudo, o grande motivo, o grande plano, o grande jogo, isto é o que alimenta as filosofias de que a realidade é corrupta. As crianças perdem o medo do escuro, diz-se que são homens então. Os adolescentes perdem o medo das espinhas, diz-se que são homens então. Bobagem. Homens surgem quando vomitam ao se olhar no espelho e mesmo assim se vestem para o trabalho, mesmo que a simples lembrança disso os faça mijar nas calças, que então eles trocam e trocam até não ter mais uma gota dentro do pinto.Falam o quanto as gargantas agüentam sobre a imperfeição e a corrupção desta realidade e da perfeição e integridade e maravilhas dos outros mundos, mas no fim do dia ninguém abandona esta vida de merda. Sabe como isto é explicado? Provação, desígnio divino, fases de evolução e a puta que pariu a quatro. Religiosos são como advogados, cada vez que uma de suas idéias não bate com os fatos eles criam uma nova tese para explicar a dissonância. É assim também com as contradições de suas próprias teses. É um buraco sem fundo. Teses sobre teses sobre teses sobre teses, infinitamente. Quando tudo falha, resta a possibilidade de se invocar a impossibilidade de o homem saber tudo. Não é à toa que religiões se sustentam na fé.

Mas enfim, o causo do Astronauta era esse. E foi mais ou menos por aí que a fodeção geral começou.

 

 

 


Um dia desses

2 dezembro, 2008

Estavam andando os dois velhinhos, assim meio sem ter o que fazer, meio por

obrigação médica. Encontraram-se assim meio por acaso, meio por destino :

 

— Asdrúbal Fernandez!

— Gumerciniano Pimenta!

Com algum esforço sentaram-se num banco de praça ( onde era não pergunte,

que isso só interessa aos dois velhinhos e olhe lá ) e começaram aquela

história do “você se lembra?…”.

Já na escola, o filho de alguém não gostou de ser chamado de filho daquela e

iniciou um grande quebra.

Num pasto qualquer, dois amigos espichados embaixo de uma árvore dialogavam:

— zzzzzzzzzzzz…

— RRRRRROOOOONNNNNCCCCC…

Mais ao norte, um protótipo de etíope sorria ao ver um lagarto na armadilha.

” … e quando o bode pulou prá direita, eu corri prá esquerda e o zé pra direita…”

O ferro voou do quarto ao banheiro, passando a dois centímetros e meio da cabeça do marido.

— Padre, eu pequei.

— E qual é a novidade?

A cadeira voou da sala ao outro quarto, passando a cinco centímetros da

cabeça da mulher.

Já na diretoria mandou o diretor para o inferno e quebrou a vidraça.

Cuspiu de lado, ajeitou o cabelo, arrumou as correntes no pescoço, abriu

mais um botão da camisa e foi até ela.

” … aí o Querêncio chutou a vaca e o Tião do matou o galo do seu Honório

que…”

— E o que tem nesta sacola?

— ora, seu guarda, nada que não possamos compartilhar…

— Deixa eu ver então.

— Pode abrir.

Ergueu a saia, chacoalhou as pulseiras, bochechou a cerveja, abaixou a blusa decotada, cruzou as pernas e ficou esperando ele chegar.

Debaixo daquela árvore o diálogo prosseguia:

— RRROOONNCCC…

  ZZZ…ZZZ…ZZ…ZZZ…ZZ…

Jogou todos os livros da biblioteca pela janela e beijou a professora.

Encheu as duas taças com vinho, tinto em uma, branco na outra. A linda jovem já estava craque, levou a bebida até o horrendo velho. Não teria de esperar muito agora.

” … e num dos pulos o Armelindo quase caiu, só não beijou o chão por modo

de ter se agarrado no rabo do bode. E foi aí que a cobra fumou. Depois…”.

— Eu sou um potro. Pocotó, pocotó, pocotó. Não, agora sou um jacaré, não, um pato, não, um avestruz.

— Não, você é um bêbado.

Enquanto o sofá ardia em chamas, a mesa de centro servia de campo de pouso para a jarra de cristal.

— Pois é, eu fico com isso aqui.

— Tudo bem, precisou de mais é só chamar, seu guarda, até mais.