PRESEPADAS NO PARAGUAI

As peripécias começaram por volta de onze da noite do dia 02 de janeiro deste 2012.

Ou antes, posto que a empresa de ônibus que vai a Assunção, a Pluma (www.pluma.com.br) não faz embarques na rodoviária em Londrina, mas na sua garagem nesta cidade.

Eu e meu amigo rumamos até lá e por lá ficamos até coisa de 1:30 da matina, momento em surgiu um busao grande, bonito e com um aspecto bem convidativo e com destino a Assunção. Não era o nosso. Este chegou uma meia hora depois, um tiozinho dos busões, algo que trouxe desconfiança, plenamente justificada, embora ofereça mais espaço entre poltronas que qualquer avião da ponte área. Estava lotado e logo que entrei um moleque de olhos arregalados ficou me olhando com um letreiro de neon na testa: sou culpado. Sim, sim, maldito, este lugar é meu e terá de terminar a viagem ao lado de alguma gorda roncadora, vaza logo. Custa R$ 155,00 e se chega lá as 16:30h.

Em Foz do Iguaçu o ônibus sai da rodoviária e logo encosta num ponto de apoio da empresa, onde se pode tomar um café numa lanchonete de cara para lá de suspeita. Tomamos e ficamos esperando meia hora até que o busao voltasse da limpeza, como informou o motorista. Neste meio tempo acabamos conhecendo um suíço que também ia a Asunción, o que acabou sendo muito mais útil dos que os manés poderiam imaginar a princípio. 30 minutos depois encostou a barca, tao limpa quanto antes de ir para a limpeza.

Em Ciudad del Est é necessário que os gringos que voltam ou vão ao Paraguai façam sua entrada na alfândega brasileira. Logo após a Ponte da Amizade, cada vez mais quebrada, é a vez dos brasileiros fazerem o mesmo na aduana paraguaia. Basta uma identidade e está tudo certo, com exceção da fila, que nos custou quase uma hora. É preciso que se diga quanto se pretende ficar ali, o que é muito importante porque quando do regresso pode ter de pagar uma multa de R$ 30,00 por dia. Tascamos cinco dias, apesar de pretendermos ficar apenas dois.

A esta altura não haviam mais que 10 pessoas no ônibus, mas pode acontecer de em Foz se juntarem passageiros de dois ônibus num só para terminar a viagem.

Ciudad del Est, a princípio, é a nojeira bem conhecida dos brasileiros, mas à medida que se avança pela avenida principal, a cidade logo se torna parecida com qualquer coisa do interior do Paraná ou de São Paulo, o que não é exatamente um grande elogio.

Na saída da cidade há um quiosque duma franquia de chipas paraguaias, de nome Leticia, que iria surgir outras vezes durante o tajeto. Esta guloseima é um bolinho paraguaio em formato de meia lua de aspecto não muito convidativo. Quando avistam o ônibus, as atendentes, sempre de saias muito curtas, correm para a beira da pista e o motorista encosta para que elas entrem carregando um saco branco cheio destes salgados. O cheiro estava bom, mas a última vez que comi em Salto del Guairá não me animou a repetir a experiência. Em Asunción têm aparência muito melhor.

A estrada segue boa, apesar de simples, pelo meio duma paisagem monótona, parecida com a do litoral sul do Brasil. Se vê muitas casas velhas de madeira, casas velhas de alvenaria, casas inacabadas, galpões velhos ou inacabados e muitos carros brasileiros sem placa descansando embaixo de árvores. Também se vê alguns montes de pedras rosadas, carregadas e quebradas à mão pelos paraguaios para que se obtenha um revestimento similar aos nossos tijolinhos de churrasqueira, mas de textura muito mais estética.

Conforme se avança, não se passa por muitas cidades e as que se vê são feias e pobres, mas até aí não é mito diferente de boa parte do interior do Brasil.

O ônibus só faz uma parada para almoço numa cidade cujo nome não consegui ler na placa. O lugar é bonito por fora e por dentro. Custa R$ 11,50 o buffet livre com carne ou um pouco mais barato se não se quer carne. O almoço dos dois brasileiros e do suíço saiu por R$ 40,00, incluindo duas cocas e uma budweiser para o gringo.

A viagem segue e vão surgindo pastos cada vez maiores e mais planos, o que me fez imaginar que seria um ótimo lugar para um festival de rock. Percebe-se que por ali reina uma estiagem, porque os riachos e açudes estão secos. O sol escaldante, porém, parece não incomodar as vacas magras dali.

Conforme se vai aproximando de Asunción a pobreza vai diminuindo e, muito óbvio, a feiura também. No meio do caminho há uma cidade que se supõe que se chama Coronel Oviedo porque é o único caso no Paraguai que se vê, tal qual no Brasil, um restaurante Cel. Oviedo, radio Taxi Cel. Oviedo, gomeria Cel. Oviedo. Talvez haja até uma limpeza de fossas Cel. Oviedo.

As cidades também ficam maiores à medida que se vai chegando a Asunción Nelas e na capital se vê muitas placas de “estudio juridico”, ou seja, cursos preparatórios para concursos públicos.

Se chega à capital paraguaia através duma cidade da região metropolitana, cujo nome também não vi em placa alguma. Aliás, é muito difícil ao turista saber onde está porque a sinalização neste sentido é precária e as placas dos carros não trazem o nome da cidade.

A entrada na cidade demora muito a ponto de criar uma angústia nos poucos passageiros restantes, no caso apenas o trio de turistas apalermados. O gringo se mostrou muito gente boa e deu algumas dicas para futuras viagens. Está desempregado por vontade própria apenas para fazer esta viagem. Quando voltar, já tem emprego garantido em sua própria profissão de soldador industrial, cujo salário lá é de R$ 8.000,00. Uma curiosidade: na Suíça se é obrigado a ter um plano de saúde privado, que custa coisa de R$ 300,00 por mês. “Funciona”, foi a resposta à pergunta óbvia. Para os cinco pobres da Suíça, o estado paga este plano de saúde, mas não há hospitais públicos.

Depois de andar uns 40 minutos numa parte feia e até um pouco sinistra da capital, o ônibus encosta na rodoviária, feia e sinistra como 99% das rodoviárias brasileiras.

Ali trocamos uns reais por guaranis a câmbio de 2.250,00, o que te permite ter 900 mil guaranis ao custo de R$ 400,00. Obviamente, trinta segundos depois descobrimos uma casa que pagava 2300.

Mané que se preza não imprime roteiro da viagem e por isto não tínhamos em mãos o nome do hostel, o endereço e nem a empresa que nos levaria a nosso segundo destino, Encarnación. Há apenas duas lan house na rodoviária e, obviamente, a mais barata estava lotada e acabamos pagando 2000 guaranis por 15 minutos de acesso. Uma baiana doida apareceu pedindo para dividir a conta e concordamos. Enquanto esperávamos, ela nos meteu medo nessa história de albergue. Estava ali para fazer um módulo de mestrado e seus colegas de universidade baiana lhe falaram horrores dos hostels da capital paraguaia. Ela usou a cota dela, não cobramos e ficamos com poucos minutos para conseguir encontrar o que nos forçou a mais dois mil guaranis.

O hostel escolhido mas não reservado estava lotado, mas havia duas outras opções a preço de R$ 20,00 em quarto misto com até 10 camas. Não ficamos em nenhum, porque Deus protege os bêbados, as criancinhas e os turistas manés.

Enquanto esperávamos chegar o camarada do suíço, andamos pela rodoviária, compramos nossa passagem para Encarnación na NSA (www.nsa.com.py), ao custo de 75 mil guaranis, ou seja, R$ 33,33 reais, cada. O gringo pegou a dele para Resistencia (sem acento mesmo), já para as 6 da matina. Vimos algumas chicas hermosas, em quantidade e qualidade muito diferente de Ciudad del Est.

O suíço conseguiu uma casa para hospedagem através do, prazer em conhecer, http://www.couchsurfing.com, site que permite intercâmbio de viajantes e acolhedores no mundo inteiro. Faz-se um cadastro, oferece-se pouso a alguém e depois alguém te oferecerá também quando precisar e anunciar para onde se quer ir. Acabou sendo a salvação da lavoura porque o paraguaio foi muito gente boa e nos ofereceu o chão da casa de seus pais. Isto nos poupou R$ 20,00 do táxi até o outro albergue que escolhemos na lan house, no site http://www.hostelbookers.com, livrando-nos também do receio que a baiana havia nos incutido.

Junto com o paraguaio médico e gente boa, veio uma médica, chica muy linda e muy caliente e muio gente boa também. Fomos até a casa dos pais do médico, que haviam viajado e deixado-a sob os cuidados do mesmo. Uma bela edificação em 3 pavimentos, por dentro e por fora, com piscina em meio a um jardim bonito, casa esta muito bonita na parte bonita da cidade que, no geral, não é tão bonita, como a maioria das cidades brasileiras não é bonita. Onde ficamos, porém, era uma região muito bonita e arborizada. E bonita mesmo era a médica paraguaia.

Chegamos, nos instalamos numa suíte muito grande, mas com apenas uma cama, que, obviamente, deixamos ao suíço. Nem tomamos banho e saímos para um tour com o médico paraguaio e sua amiga muy hermosa. Vimos o centro, o Palácio do Governo, cercado de soldados que impedem uma maior aproximação porque no Paraguai ainda se faz política pelo ultrapassado modo revolucionário. Um dia eles evoluirão e farão política como nós brasileiros fizemos nos últimos 30 anos: por meio da muito civilizada corrupção. Temos muito a ensinar ao mundo, sem dúvida.

Em volta do antigo Palácio Legislativo e exatamente em frente ao novo, muito próximos um do outro, há uma favela. A polícia se limita a fazer a guarda do prédio e não promove nenhuma operação urbanística, comum em casos assim no Brasil. Um dia os paraguaios aprenderão com nós brasileiros e com os americanos que a polícia é uma instituiçao da maior importancia na construçao de cidades bonitas e agradáveis, responsável pela maquiagem urbana digna de um photoshop a ponto de fazer qualquer um acreditar pobreza só existe no dicionário.

Feito o tour, nos levaram ao Pirata Bar, numa cobertura de frente ao Palácio do Governo, de onde se avistava também o Rio Paraguai, logo ali atrás. Estão construindo uma rota de saída da cidade sobre o rio, o que me fez imaginar que é para que os ricos possam entrar e sair da capital sem ter de passar pela parte pobre e feia da cidade. Pelo menos isto eles já aprenderam conosco…

Se entra nesta cobertura por dentro de um prédio velho, parte que mais tarde, se torna uma boate, discoteca como dizem eles. Tomamos os cinco seis cervejas de nome Pilsen. Nome mesmo, não gênero Boa ou ruim, vai do fregues, mas é cerveja e não essa água aromatizada com cevada que vendem no Brasil com o nome de Skol.

Voltamos para a bonita casa do médico que nos deixou a sós enquanto levava sua formosa amiga para a casa dela.

Tomamos banho e fomos beber mais, agora num pub de nome Kilkenny, que o mané aqui julgava ser uma boate. No estilo irlandes, é bem grande, com dois pavimentos, muito bem decorado e frequentado por muitas, muitas chicas hermosas, mas não hermosas como a médica hermosa, mas ainda assim hermosas, com hermosos cuerpos, mas por vezes com rosto não tão hermoso. Acabamos conhecendo outras pessoas bacanas e depois de muita Pilsen, acabamos a noite numa boate localizada no mesmo shopping, no qual há diversas opções para se beber. Também havia muitas chicas nesta Cover, que é pequena, mas agradável. Por algum estranho motivo, também se toca sertanojo universitário no Paraguai, mas nosso anfitrião e sua amiga hermosa não gostam e preferem rock. Há uma FM que toca muito rock e o rock argentino é muito bem recebido no Paraguai, que não fica nada a dever ao rock brasileiro em geral, embora não tenha ouvido nada do quilate de Paralamas ou Titãs dos bons tempos. Não ouvi nada parecido com Restart por lá, mas a famigerada música do Michel Teló é muito tocada. Povão é povão, meu filho, nacionalidade não conta muito.

Apesar do câmbio favorável, noite é noite e uma cerveja custa R$ 5,00 como na maioria dos bares do sul.

A noite foi realmente quente: 32 graus. Noite.

No fim da noite, dormi no chão em cima de uns cobertores, o suíço no chão da varanda em um colchonete muito fino e o outro mané foi para a cama em algum ponto da madrugada. O médico dormiu no sofá da sala. Acordei muito bem, como se tivesse hospedado num caro hotel de cinco estrelas ou categoria superior. O suíço já tinha partido para Resistencia, de onde seguiria para Cocuy, Argentina, onde ficaria na casa de uma chica que conhecera não sei de que modo.

Como se vê, os paraguaios não tratam os brasileiros como se todo o país fosse uma grande Ciudad del Est. Primeira grande lição do mochilão: nunca avalie um país por apenas uma cidade. Boa parte deles entendem o português e nosso maldito portunhol, que pode te colocar em algumas confusões ou dar prejuízo, por exemplo, se não souber que não se diz catorce mil guaranis, mas dez com quatro, sem citar moeda e seus zeros. Fomos muito bem recebidos e muito bem tratados por todos, inclusive no comércio.

Até aqui a viagem foi muito proveitosa, graças aos paraguaios e não apesar deles como se costuma pensar no muito civilizado Brasil.

E aqui vai outra dica: cuidado com o álcool se é do tipo que perde as estribeiras, o policiamento é muito melhor que a maioria das cidades brasileiras e os soldados exibem tranquilamente suas metralhadores e fuzis. Pistola deve ser só para limpar os dentes.

Se ainda não entendeu, até aqui se falou bem dos paraguaios. Azar do teu preconceito.

1 Responses to PRESEPADAS NO PARAGUAI

  1. eloisa de freitas disse:

    Seus manés ,isso deve fazer 50 anos, porque Assunção e maravilhosa, rica em cultura e possui um povo muito educado.

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