O seo João José da Silva tem 69 anos e mora em Manari, Pernambuco, junto com a patroa, Dona Maria Joana da Silva, 67. É a cidade com o pior IDH do Brasil. Ele sobrevive por conta do Bolsa Família e de uns bicos que faz como colhedor de mamona. Dona Maria dá uma força fazendo uns artesanatos malacafentos com barro simples, colhido quando chove. O filho deles, Raimundo Nonato da Silva tem 15 anos e também ajuda o pai na mamona e é ele que leva as pecinhas lazarentas de feias de sua mãe para um cidadão da cidade, o qual as vende nas longínquas praias. Eles adoram Lula, de paixão, quase tanto quanto sindicalistas do sul. É compreensível. Já Weslecleyson Anacleto da Silva tem 24 anos e mora em São Caetano, São Paulo. Há oito anos atrás ele arrumou seu primeiro emprego, office-boy duma pequena empresa que entrega tapetes para a fábrica da GM na cidade. Ganhando salário mínimo, conseguiu guardar uma grana e dois anos depois, seis anos atrás, deu uma entrada numa moto 125 cc, parcelando a diferença em 60 vezes de aproximadamente R$ 200,00. Foi trabalhar de Motoboy, autônomo. De lá para cá, com a grana do serviço comprou um dvd do Paraguai, um “gatonet”, trocou a TV de 20 de casa por uma de plasma 32 polegadas em 36 prestações e já está pensando em dar entrada numa chevettera. Weslecleyson também ama o Lula de paixão, fanaticamente e foi até lá na porta de uma gráfica impedir que um pessoal saísse de lá com uns panfletos contra o PT, um troço que virou um quiprocó dos infernos e poderia acabar mal para todo. Weslecleyson ama Lula mesmo e se você pergunta por que, ele responde na lata: “Pô, mano, aí, oito anos atrás, eu não tinha nada e olha aí, hoje eu tô ajudando em casa, tenho uma moto, um tv da hora e já vô dá entrada na chevettera, tá ligado?” Weslecleyson é um burro. Um recado a esse pobre asno: Weslecleyson, você melhorou sua vida, Lula não tem nada a ver com isso, nada de nada e quem disse o contrário está mal informado, mentindo ou o manipulando, ou, o que é bem provável, tudo isso junto.
Não há nada, absolutamente nada, na vida das pessoas que trabalham em grandes ou médias cidades que tenha realmente mudado em razão única e exclusivamente do governo. O salário mínimo aumentou? Claro. E daí? A maioria esmagadora dos trabalhadores não é remunerada com salário mínimo já faz uns 20 anos ou mais, inclusive os officeboys, como um dia foi Weslecleyson.
Toda mudança significativa na vida das pessoas se deve basicamente ao acesso a produtos e serviços antes não encontrados. Mas fala-se de produtos e serviços privados. É gigantesca a lista de coisas que se tornaram melhores e mais baratas em razão de avanços tecnológicos mundiais: aparelhos de dvd, computadores, televisores, etc, etc. e, claro, celulares. Foram as empresas privadas que, por puro interesse no lucro, começaram a oferecer produtos mais baratos.
Já os serviços públicos, só pioram a cada dia, apesar da carga tributária cada vez maior. Pessoas morrem diariamente nas filas de hospitais. As escolas estão beirando a indigência, se assemelhando cada vez mais a verdadeiros cortiços cheios de crianças.
Da segurança, melhor nem falar. Mesmo Weslecleyson sabe que a coisa tá braba.
Estradas, portos, aeroportos, tudo está em frangalhos. Se você quiser um passaporte, prepare-se para uma baita fila. Se quiser importar uma peça para o laboratório da sua escola, prepare-se para muita burocracia, taxas e demora, muita demora.
E todos os avanços tecnológicos visíveis nas lojas decorrem do suor de muita gente, incluindo o asno Weslecleyson, a quem devemos muito, muito mesmo. Trabalhadores das mais variadas funções tem promovido uma fantástica renovação da indústria brasileira e mundial. Inovações as mais variadas surgem todos os dias em tudo que é chão de fábrica, laboratórios e salas de reuniões. Os avanços misturam-se, comunicam-se e, de repente, eis que alguém vê num invento uma utilidade que nem o inventor imaginou. Trabalho, muito trabalho, braçal, intelectual e até artístico. É disso que foi feita qualquer melhoria na vida das pessoas.
Não há um antes PT e um pós PT. Isso é peça de marketing, como tantas que o tucanato promoveu. E que Sarney promoveu. E que a ditadura promoveu. E que Jango promoveu. E que JK promoveu. E que, provavelmente, o capeta vem promovendo desde os tempos de Adão no paraíso. O mundo não começa a cada nova eleição.
O trabalho, a criatividade e até a malandragem respondem por mais qualidade de vida, não o governo. O gatonet de Weslecleyson é aquele aparelho que permite roubar sinais de TV por satélite, uma traquitana que só existe porque, tempos antes, alguém conseguiu inventar o aparelho regular da coisa, o pago. Outro alguém foi lá e transformou a geringonça em um meio de pirataria. O lazer do motoboy foi incrementado graças ao trabalho de uma série de pessoas: o inventor do aparelho pago, o criativo pirata do gatonet e, claro, o próprio Weslecleyson. E isso para ficar numa versão muito e muito simplificada da cadeia que isto envolve.
E, verdade seja dita, o poder de compra em geral aumentou. Exato. Mas isso se deve muito mais ao controle da inflação e redução de preços do que a qualquer outra coisa. Há coisa de dez anos, a tv de plasma de Weslecleyson custava incríveis R$ 10.000,00. Ele pagou pouco mais de mil, divididos em 36 prestações. O que diabos o governo Lula tem a ver com isso? Nada, absolutamente nada, à exceção do controle inflacionário, que vem a ser obra do tucanato. Lula recebeu um passe açucarado dum centroavante que já tinha transformado o dois a zero contra num três a dois bonito.
E sabe o que mais forçou os preços para baixo? Produtos importados. E quem começou a abertura dos portos foi Collor, não Lula. E FHC, por um bom tempo, manteve o Real artificialmente elevado, propiciando a invasão asiática em geral e chinesa em particular. Tudo isto vem mantendo os preços baixos. E Lula faz exatamente o mesmo hoje. O dólar baixo permite a importação cada vez maior de quinquilharias bacanas. Prestem atenção: 20%, exatos 20% de tudo que é consumido nas prateleiras é feito em outro país, normalmente um lugar em que as pessoas falam fininho e têm olhos puxados. 2 em cada 10 produtos disponíveis nas vitrines não foram feitos no Brasil.
E não fosse a importação facilitada de máquinas e insumos vários, a indústria nacional estaria vendendo menos do que esses 80%, porque não teria como aumentar a produção de modo competitivo. E talvez houvesse uma fatia maior destinada a ela se houvesse menos impostos, menos burocracia e os juros reais não fossem tão altos. E se a indústria nacional vendesse mais, por certo que haveria mais empregos e mais salários.
FHC, ao promover a desoneração das exportações, também inventou a chamada âncora verde, que vem a ser o fortalecimento de reservas internacionais com dólares vindos da exportação de produtos agrícolas. Mas quem realmente faz tudo acontecer são os produtores rurais, proprietários ou não de terras. É quem está na lida do campo diariamente que tem segurado a peteca do câmbio. Mais, graças a seu trabalho eles propiciam alimentos num preço invejável no mundo inteiro. E com o câmbio favorecendo as importações, os preços internos são contidos, ajudando todo mundo a comprar coisas que tornam a vida mais confortável.
E com importações e exportações fortalecidas, os níveis de comércio internacional explodiram. E foi isso, apenas isso, que fez com que o mundo olhasse mais para o Brasil. É grana que todos gostam. O marketing de Lula diz que foi ele que ganhou o respeito mundial. Balela, FHC tentou jogar a mesma conversa mole, mas como a coisa ainda era incipiente, não colou. A galera quer é vender suas traquitanas aqui e comprar barato. Comércio. E comércio é trabalho, quanto mais comércio, mais trabalho.
Sabem o que tem ajudado barbaridade as vendas em geral? Crédito fácil. Depois que os bancos começaram a financiar as necessidades e delírios de consumo da galera, as casas começaram a ficar com outra cara. Tudo novo: eletrodomésticos, carro, celular, computador, roupas. E o que tem o governo a ver com esse crédito? Nada de nada. Não abriu nenhuma linha de crédito especial no BDNES para o comércio, o BB e a CEF oferecem aos clientes o mesmo tipo de financiamento que qualquer outro banco privado. E como os bancos conseguiram emprestar dinheiro a juros mais camaradas, se antes não o faziam? Em primeiro, porque ficou claro que a economia estava estável, o que pode ser creditado muito mais aos tucanos do que ao PT. Em segundo, porque os gigantescos bancos internacionais estavam com as burras cheias de verdinhas, em razão das pilantragens do sub-prime na América do Norte (que ainda não tinha virado caso de polícia), e disponibilizaram muita, mas muita grana para bancos de terceiro mundo. Em terceiro porque nosso sistema bancário é muito forte e pode se dar ao luxo de conceder alguns empréstimos meio duvidosos; forte porque o BACEN, desde o tucanato, vem saneando tanto quanto possível, inclusive liquidando instituições problemáticas. A instituição forçou a venda do Banco Nacional no começo do governo FFHH, noutros tempos, o banco seria simplesmente absorvido pelo governo, numa operação maluca e para lá de suspeita. Não foi o único e também durante o governo Lula seguiram-se as liquidações. Só que não houve, nos últimos oito anos, mudança na política do nosso banco guardião da moeda, é a mesma de praticamente dezesseis anos atrás.
Beira a raia da sandice que um cidadão que trabalha, no mínimo, das oito às dezoito não respeite o suor do próprio rosto. Lula é um camarada, trata bem as pessoas e é amigo do bairro, “é nosso”. E só. Nem ele e nem seu governo são responsáveis por nada que faça grande diferença na vida dos trabalhadores de cidades grandes e médias. Talvez nas pequenas cidades o Bolsa Família inventado pelos tucanos faça alguma diferença para um certo tanto de lares, mas não a diferença, não a gigantesca diferença que a publicidade petista propaga, porque, afinal, o povaréu ainda vai se virando do jeito que dá. A idéia tem lá seus méritos, apesar de inconstitucional e injusta no modo como foi criada e vem sendo praticada (aqui: https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/18/a-inconstitucionalidade-do-bolsa-familia/). Mas Bolsa Família, venhamos, é um tipo de esmola. Governos fazem isto: dão esmolas. Crescimento econômico promove empregos e com empregos ninguém precisa de esmola. E, sim, com isso eles estimulam um tanto de gente a ficar esperando só essa ajuda patética, pois, afinal, já estão acostumados a viver mal se é para viver mal, que seja sem trabalhar. Um tanto deles, foi o escrito, não todos eles, que não foi escrito.
E por que há tanta gente precisando dessa esmola governamental? Porque o governo não faz o que tem de fazer. Se a educação, saúde, segurança, estradas e tudo o mais tivesse um mínimo de qualidade, muito menos pessoas estariam desempregadas e os produtos seriam ainda mais baratos, porque os custos seriam menores. Mais, a classe média não gastaria tanto em planos de saúde e escolas particulares, o que a faria consumir mais bugigangas, promovendo mais empregos, diminuindo ainda mais a necessidade de um Bolsa Família. Esse programa, criado pelo governador Marconi Perillo, que recebeu um muito obrigado de Lula por isto (aqui: https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/16/lula-reconhece-paternidade-do-bolsa-familia/
), é um verdadeiro cala boca governamental: o governo não faz o que deveria com os quase 40% do PIB que toma de todos nós e, para dar uma lambuzada de pó de arroz na feiúra, dá uns caraminguás à choldra.
Pois é. Trinta e tantos por cento do PIB vão para a mão do governo. Trinta e tanos por cento do trabalho dos brasileiros vão parar na mão do governo. E mesmo assim o governo não faz o que deve ser feito. Onde vai parar essa dinheirama toda? Além da resposta fácil da corrupção, vai para os grandes bancos que mamam em cachoeiras os altos juros reais que os títulos da dívida pagam. Vai para os gigantescos empreiteiros com suas obras nunca acabadas. Vai para os gigantescos empresários da petroquímica, com suas fábricas cada vez mais monstruosas, sempre subsidiadas com dinheiro farto do BNDES. Vai para gastanças eleitoreiras em obras que nunca são concluídas.
Bastou Lula, em 2008, diminuir um pouquinho a carga tributária sobre automóveis para a indústria se ver sem condições de atender a demanda, o que a levou a contratar mais. A indústria de máquinas para a cozinha, recebeu um mimo desses também e, mesmo resultado, estouro de vendas. Ora, taí algo que Lula fez de bom: mostrou que menos Estado faz muito bem para as pessoas.
Mas, e o PAC? Ora, uma singela lista de obras antigas e inacabadas. Tem ali até ferrovias e rodovias planejadas desde a década de 70 e, notem bem, ainda não foram concluídas nem mesmo neste governo, o qual promete que terminará no próximo, se seu partido for vitorioso nas eleições. Outro golpe midiático. Dá raiva desses jornalistas incapazes de lerem o Diário Oficial.
Mas, e a crise mundial, “Lula segurou as pontas”. Tolice midiática. A crise de 2008 não foi como as anteriores, enfrentadas por FHC, com duvidosa maestria. Além de o país ter passado por duas décadas de lambança fiscal, descontrole inflacionário e tormentas políticas, ainda por cima estes momentos problemáticos foram de verdadeiros ataques às moedas nacionais, gerando efeitos em cascata praticamente incontroláveis. Dessa vez o problema foi com instituições privadas, bancos que promoveram ações irresponsáveis e acabaram quebrando, o que, em se tratando de grandes instituições financeiras, gera problemas para outras grandes empresas, especialmente pela desvalorização acionária e escassez de crédito. Mas as reservas internacionais de nenhum país foram afetadas, nem o câmbio e nem a inflação de lugar algum do mundo.
Weslecleyson é um burro. Como pode um homem fazer pouco de si mesmo a esse ponto? Não há nada mais indigno que um homem depender de outrem para sobreviver. Weslecleyson não depende, ao contrário, ele, por conta, bravamente, tem feito muito por si e pelos seus. Mas ao atribuir os benefícios disso ao governo Lula, ele estimula a dependência do governo, ou seja, contribui para que mais pessoas larguem de correr atrás por si sós e passem a admitir a idéia de ter seu sustento vindo do governo, o que é uma imoralidade, porque é uma indignidade, e tudo que favorece a imoralidade é imoral.
Weslecleyson não é o seo João José da Silva, ele não mora em Manari e nada do que ele tenha conseguido de bom na sua vida tem a ver com o governo, Lula ou outro, mas com o que ele tem feito até aqui: trabalhar. Foi você Weslecleyson, não Lula. Enfie isso na cabeça, continue trabalhando e passe a cobrar mais dos governos ao invés de agradecê-los bovinamente e, com um pouco de sorte, o filho do seo João José da Silva acabe arrumando um emprego numa fábrica de TV. Ou de DVD´s. Ou de geladeiras. Ou de qualquer outra coisa que você compara com o dinheiro do seu trabalho. Foi você Weslecleyson, não Lula. Faça um favor a todos os brasileiros: parabenize a si mesmo e mande os governos em geral, e Lula em particular, trabalharem mais e melhor.