FOI VOCÊ QUEM MELHOROU SUA VIDA, NÃO O LULA

19 outubro, 2010


O seo João José da Silva tem 69 anos e mora em Manari, Pernambuco, junto com a patroa, Dona Maria Joana da Silva, 67. É a cidade com o pior IDH do Brasil. Ele sobrevive por conta do Bolsa Família e de uns bicos que faz como colhedor de mamona. Dona Maria dá uma força fazendo uns artesanatos malacafentos com barro simples, colhido quando chove. O filho deles, Raimundo Nonato da Silva tem 15 anos e também ajuda o pai na mamona e é ele que leva as pecinhas lazarentas de feias de sua mãe para um cidadão da cidade, o qual as vende nas longínquas praias. Eles adoram Lula, de paixão, quase tanto quanto sindicalistas do sul. É compreensível. Já Weslecleyson Anacleto da Silva tem 24 anos e mora em São Caetano, São Paulo. Há oito anos atrás ele arrumou seu primeiro emprego, office-boy duma pequena empresa que entrega tapetes para a fábrica da GM na cidade. Ganhando salário mínimo, conseguiu guardar uma grana e dois anos depois, seis anos atrás, deu uma entrada numa moto 125 cc, parcelando a diferença em 60 vezes de aproximadamente R$ 200,00. Foi trabalhar de Motoboy, autônomo. De lá para cá, com a grana do serviço comprou um dvd do Paraguai, um “gatonet”, trocou a TV de 20 de casa por uma de plasma 32 polegadas em 36 prestações e já está pensando em dar entrada numa chevettera. Weslecleyson também ama o Lula de paixão, fanaticamente e foi até lá na porta de uma gráfica impedir que um pessoal saísse de lá com uns panfletos contra o PT, um troço que virou um quiprocó dos infernos e poderia acabar mal para todo. Weslecleyson ama Lula mesmo e se você pergunta por que, ele responde na lata: “Pô, mano, aí, oito anos atrás, eu não tinha nada e olha aí, hoje eu tô ajudando em casa, tenho uma moto, um tv da hora e já vô dá entrada na chevettera, tá ligado?” Weslecleyson é um burro. Um recado a esse pobre asno: Weslecleyson, você melhorou sua vida, Lula não tem nada a ver com isso, nada de nada e quem disse o contrário está mal informado, mentindo ou o manipulando, ou, o que é bem provável, tudo isso junto.


Não há nada, absolutamente nada, na vida das pessoas que trabalham em grandes ou médias cidades que tenha realmente mudado em razão única e exclusivamente do governo. O salário mínimo aumentou? Claro. E daí? A maioria esmagadora dos trabalhadores não é remunerada com salário mínimo já faz uns 20 anos ou mais, inclusive os officeboys, como um dia foi Weslecleyson.


Toda mudança significativa na vida das pessoas se deve basicamente ao acesso a produtos e serviços antes não encontrados. Mas fala-se de produtos e serviços privados. É gigantesca a lista de coisas que se tornaram melhores e mais baratas em razão de avanços tecnológicos mundiais: aparelhos de dvd, computadores, televisores, etc, etc. e, claro, celulares. Foram as empresas privadas que, por puro interesse no lucro, começaram a oferecer produtos mais baratos.


Já os serviços públicos, só pioram a cada dia, apesar da carga tributária cada vez maior. Pessoas morrem diariamente nas filas de hospitais. As escolas estão beirando a indigência, se assemelhando cada vez mais a verdadeiros cortiços cheios de crianças.


Da segurança, melhor nem falar. Mesmo Weslecleyson sabe que a coisa tá braba.


Estradas, portos, aeroportos, tudo está em frangalhos. Se você quiser um passaporte, prepare-se para uma baita fila. Se quiser importar uma peça para o laboratório da sua escola, prepare-se para muita burocracia, taxas e demora, muita demora.


E todos os avanços tecnológicos visíveis nas lojas decorrem do suor de muita gente, incluindo o asno Weslecleyson, a quem devemos muito, muito mesmo. Trabalhadores das mais variadas funções tem promovido uma fantástica renovação da indústria brasileira e mundial. Inovações as mais variadas surgem todos os dias em tudo que é chão de fábrica, laboratórios e salas de reuniões. Os avanços misturam-se, comunicam-se e, de repente, eis que alguém vê num invento uma utilidade que nem o inventor imaginou. Trabalho, muito trabalho, braçal, intelectual e até artístico. É disso que foi feita qualquer melhoria na vida das pessoas.


Não há um antes PT e um pós PT. Isso é peça de marketing, como tantas que o tucanato promoveu. E que Sarney promoveu. E que a ditadura promoveu. E que Jango promoveu. E que JK promoveu. E que, provavelmente, o capeta vem promovendo desde os tempos de Adão no paraíso. O mundo não começa a cada nova eleição.


O trabalho, a criatividade e até a malandragem respondem por mais qualidade de vida, não o governo. O gatonet de Weslecleyson é aquele aparelho que permite roubar sinais de TV por satélite, uma traquitana que só existe porque, tempos antes, alguém conseguiu inventar o aparelho regular da coisa, o pago. Outro alguém foi lá e transformou a geringonça em um meio de pirataria. O lazer do motoboy foi incrementado graças ao trabalho de uma série de pessoas: o inventor do aparelho pago, o criativo pirata do gatonet e, claro, o próprio Weslecleyson. E isso para ficar numa versão muito e muito simplificada da cadeia que isto envolve.


E, verdade seja dita, o poder de compra em geral aumentou. Exato. Mas isso se deve muito mais ao controle da inflação e redução de preços do que a qualquer outra coisa. Há coisa de dez anos, a tv de plasma de Weslecleyson custava incríveis R$ 10.000,00. Ele pagou pouco mais de mil, divididos em 36 prestações. O que diabos o governo Lula tem a ver com isso? Nada, absolutamente nada, à exceção do controle inflacionário, que vem a ser obra do tucanato. Lula recebeu um passe açucarado dum centroavante que já tinha transformado o dois a zero contra num três a dois bonito.


E sabe o que mais forçou os preços para baixo? Produtos importados. E quem começou a abertura dos portos foi Collor, não Lula. E FHC, por um bom tempo, manteve o Real artificialmente elevado, propiciando a invasão asiática em geral e chinesa em particular. Tudo isto vem mantendo os preços baixos. E Lula faz exatamente o mesmo hoje. O dólar baixo permite a importação cada vez maior de quinquilharias bacanas. Prestem atenção: 20%, exatos 20% de tudo que é consumido nas prateleiras é feito em outro país, normalmente um lugar em que as pessoas falam fininho e têm olhos puxados. 2 em cada 10 produtos disponíveis nas vitrines não foram feitos no Brasil.


E não fosse a importação facilitada de máquinas e insumos vários, a indústria nacional estaria vendendo menos do que esses 80%, porque não teria como aumentar a produção de modo competitivo. E talvez houvesse uma fatia maior destinada a ela se houvesse menos impostos, menos burocracia e os juros reais não fossem tão altos. E se a indústria nacional vendesse mais, por certo que haveria mais empregos e mais salários.


FHC, ao promover a desoneração das exportações, também inventou a chamada âncora verde, que vem a ser o fortalecimento de reservas internacionais com dólares vindos da exportação de produtos agrícolas. Mas quem realmente faz tudo acontecer são os produtores rurais, proprietários ou não de terras. É quem está na lida do campo diariamente que tem segurado a peteca do câmbio. Mais, graças a seu trabalho eles propiciam alimentos num preço invejável no mundo inteiro. E com o câmbio favorecendo as importações, os preços internos são contidos, ajudando todo mundo a comprar coisas que tornam a vida mais confortável.


E com importações e exportações fortalecidas, os níveis de comércio internacional explodiram. E foi isso, apenas isso, que fez com que o mundo olhasse mais para o Brasil. É grana que todos gostam. O marketing de Lula diz que foi ele que ganhou o respeito mundial. Balela, FHC tentou jogar a mesma conversa mole, mas como a coisa ainda era incipiente, não colou. A galera quer é vender suas traquitanas aqui e comprar barato. Comércio. E comércio é trabalho, quanto mais comércio, mais trabalho.


Sabem o que tem ajudado barbaridade as vendas em geral? Crédito fácil. Depois que os bancos começaram a financiar as necessidades e delírios de consumo da galera, as casas começaram a ficar com outra cara. Tudo novo: eletrodomésticos, carro, celular, computador, roupas. E o que tem o governo a ver com esse crédito? Nada de nada. Não abriu nenhuma linha de crédito especial no BDNES para o comércio, o BB e a CEF oferecem aos clientes o mesmo tipo de financiamento que qualquer outro banco privado. E como os bancos conseguiram emprestar dinheiro a juros mais camaradas, se antes não o faziam? Em primeiro, porque ficou claro que a economia estava estável, o que pode ser creditado muito mais aos tucanos do que ao PT. Em segundo, porque os gigantescos bancos internacionais estavam com as burras cheias de verdinhas, em razão das pilantragens do sub-prime na América do Norte (que ainda não tinha virado caso de polícia), e disponibilizaram muita, mas muita grana para bancos de terceiro mundo. Em terceiro porque nosso sistema bancário é muito forte e pode se dar ao luxo de conceder alguns empréstimos meio duvidosos; forte porque o BACEN, desde o tucanato, vem saneando tanto quanto possível, inclusive liquidando instituições problemáticas. A instituição forçou a venda do Banco Nacional no começo do governo FFHH, noutros tempos, o banco seria simplesmente absorvido pelo governo, numa operação maluca e para lá de suspeita. Não foi o único e também durante o governo Lula seguiram-se as liquidações. Só que não houve, nos últimos oito anos, mudança na política do nosso banco guardião da moeda, é a mesma de praticamente dezesseis anos atrás.


Beira a raia da sandice que um cidadão que trabalha, no mínimo, das oito às dezoito não respeite o suor do próprio rosto. Lula é um camarada, trata bem as pessoas e é amigo do bairro, “é nosso”. E só. Nem ele e nem seu governo são responsáveis por nada que faça grande diferença na vida dos trabalhadores de cidades grandes e médias. Talvez nas pequenas cidades o Bolsa Família inventado pelos tucanos faça alguma diferença para um certo tanto de lares, mas não a diferença, não a gigantesca diferença que a publicidade petista propaga, porque, afinal, o povaréu ainda vai se virando do jeito que dá. A idéia tem lá seus méritos, apesar de inconstitucional e injusta no modo como foi criada e vem sendo praticada (aqui: https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/18/a-inconstitucionalidade-do-bolsa-familia/). Mas Bolsa Família, venhamos, é um tipo de esmola. Governos fazem isto: dão esmolas. Crescimento econômico promove empregos e com empregos ninguém precisa de esmola. E, sim, com isso eles estimulam um tanto de gente a ficar esperando só essa ajuda patética, pois, afinal, já estão acostumados a viver mal se é para viver mal, que seja sem trabalhar. Um tanto deles, foi o escrito, não todos eles, que não foi escrito.


E por que há tanta gente precisando dessa esmola governamental? Porque o governo não faz o que tem de fazer. Se a educação, saúde, segurança, estradas e tudo o mais tivesse um mínimo de qualidade, muito menos pessoas estariam desempregadas e os produtos seriam ainda mais baratos, porque os custos seriam menores. Mais, a classe média não gastaria tanto em planos de saúde e escolas particulares, o que a faria consumir mais bugigangas, promovendo mais empregos, diminuindo ainda mais a necessidade de um Bolsa Família. Esse programa, criado pelo governador Marconi Perillo, que recebeu um muito obrigado de Lula por isto (aqui: https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/16/lula-reconhece-paternidade-do-bolsa-familia/
), é um verdadeiro cala boca governamental: o governo não faz o que deveria com os quase 40% do PIB que toma de todos nós e, para dar uma lambuzada de pó de arroz na feiúra, dá uns caraminguás à choldra.


Pois é. Trinta e tantos por cento do PIB vão para a mão do governo. Trinta e tanos por cento do trabalho dos brasileiros vão parar na mão do governo. E mesmo assim o governo não faz o que deve ser feito. Onde vai parar essa dinheirama toda? Além da resposta fácil da corrupção, vai para os grandes bancos que mamam em cachoeiras os altos juros reais que os títulos da dívida pagam. Vai para os gigantescos empreiteiros com suas obras nunca acabadas. Vai para os gigantescos empresários da petroquímica, com suas fábricas cada vez mais monstruosas, sempre subsidiadas com dinheiro farto do BNDES. Vai para gastanças eleitoreiras em obras que nunca são concluídas.


Bastou Lula, em 2008, diminuir um pouquinho a carga tributária sobre automóveis para a indústria se ver sem condições de atender a demanda, o que a levou a contratar mais. A indústria de máquinas para a cozinha, recebeu um mimo desses também e, mesmo resultado, estouro de vendas. Ora, taí algo que Lula fez de bom: mostrou que menos Estado faz muito bem para as pessoas.


Mas, e o PAC? Ora, uma singela lista de obras antigas e inacabadas. Tem ali até ferrovias e rodovias planejadas desde a década de 70 e, notem bem, ainda não foram concluídas nem mesmo neste governo, o qual promete que terminará no próximo, se seu partido for vitorioso nas eleições. Outro golpe midiático. Dá raiva desses jornalistas incapazes de lerem o Diário Oficial.


Mas, e a crise mundial, “Lula segurou as pontas”. Tolice midiática. A crise de 2008 não foi como as anteriores, enfrentadas por FHC, com duvidosa maestria. Além de o país ter passado por duas décadas de lambança fiscal, descontrole inflacionário e tormentas políticas, ainda por cima estes momentos problemáticos foram de verdadeiros ataques às moedas nacionais, gerando efeitos em cascata praticamente incontroláveis. Dessa vez o problema foi com instituições privadas, bancos que promoveram ações irresponsáveis e acabaram quebrando, o que, em se tratando de grandes instituições financeiras, gera problemas para outras grandes empresas, especialmente pela desvalorização acionária e escassez de crédito. Mas as reservas internacionais de nenhum país foram afetadas, nem o câmbio e nem a inflação de lugar algum do mundo.


Weslecleyson é um burro. Como pode um homem fazer pouco de si mesmo a esse ponto? Não há nada mais indigno que um homem depender de outrem para sobreviver. Weslecleyson não depende, ao contrário, ele, por conta, bravamente, tem feito muito por si e pelos seus. Mas ao atribuir os benefícios disso ao governo Lula, ele estimula a dependência do governo, ou seja, contribui para que mais pessoas larguem de correr atrás por si sós e passem a admitir a idéia de ter seu sustento vindo do governo, o que é uma imoralidade, porque é uma indignidade, e tudo que favorece a imoralidade é imoral.


Weslecleyson não é o seo João José da Silva, ele não mora em Manari e nada do que ele tenha conseguido de bom na sua vida tem a ver com o governo, Lula ou outro, mas com o que ele tem feito até aqui: trabalhar. Foi você Weslecleyson, não Lula. Enfie isso na cabeça, continue trabalhando e passe a cobrar mais dos governos ao invés de agradecê-los bovinamente e, com um pouco de sorte, o filho do seo João José da Silva acabe arrumando um emprego numa fábrica de TV. Ou de DVD´s. Ou de geladeiras. Ou de qualquer outra coisa que você compara com o dinheiro do seu trabalho. Foi você Weslecleyson, não Lula. Faça um favor a todos os brasileiros: parabenize a si mesmo e mande os governos em geral, e Lula em particular, trabalharem mais e melhor.


A INCONSTITUCIONALIDADE DO BOLSA FAMÍLIA

18 outubro, 2010


O Bolsa Família é inconstitucional porque é uma expropriação de renda. Notem: não se critica quem recebe o bolsa família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles. Notaram? Se não notaram, não se preocupem, esta lembrança aparecerá sutilmente umas 95 vezes ao longo do texto. Necessário sendo, repete-se mais vezes que não se critica quem recebe o Bolsa Família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles.

Por favor, notem também que a crítica é dirigida a tucanos e petistas. Foram os tucanos que inventaram todos os programas sociais que viriam a ser reunidos no Bolsa Família. E, ao contrário do que muita gente pensa, não foi o PT quem fez esta unificação, foi o tucanato, foi o então governador do Goiás, Marconi Perillo quem fez isto pela primeira vez e foi ele quem sugeriu a Lula levar a coisa a nível federal e Lula reconheceu isto publicamente, como pode ser visto no post abaixo (https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/16/lula-reconhece-paternidade-do-bolsa-familia/), com direito a vídeo. O PT levou a coisa a níveis estratosféricos e, possivelmente, em contrariedade à própria finalidade do programa, já que não é crível que tanta gente assim esteja em condições tão precárias a ponto de merecer o benefício, mas esta é uma dúvida que não será discutida aqui. Por ora, admite-se que quem recebe merece ou precisa ou ambos ou ambos e mais um pouco.

Por que o Bolsa Família é inconstitucional? Por que não é contraprestação genérica, não é bem de todos, não é serviço à disposição, não é assistência propriamente dita, não é salário e esse dispêndio de dinheiro não se enquadra na definição de tributo, nem da de previdência e nem na de assistência, o mesmo se dando com o seu custeio. É doação feita pelo governo. Doação feita com dinheiro arrecadado via tributos, não por fonte própria, criada especificamente para tal.

Mais uma vez: não se critica quem recebe o bolsa família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles. Caso isto não tenha ficado claro, sem problemas, a coisa será repetida mais um bom tanto de vezes texto abaixo.

Afinal, que vem a ser um tributo? Muitas definições se encontram entre os juristas e o próprio Código tributário Nacional o define: Tributo é toda prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Até aí, nada demais. Vamos apenas lembrar que o termo tributo nasce primeiro da prática de se prestar homenagens materiais aos reis, em seguida isto virou obrigatório, com a prática do recolhimento direto na casa dos súditos de bens quaisquer que servissem ao rei. Com um história dessas, não é de admirar que ninguém que goste deles.

Mas, para que é que serve essa odiosa imposição? Está ali na lei por mero capricho do legislador? Nada disto, existe uma finalidade, uma razão de ser dos tributos. E isto se encontra bem explícito na definição de cada uma das espécies de tributos que, a rigor, são só 5: impostos, taxas e contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuição.

A lei do Bolsa Família não instituiu nenhuma contribuição específica, como a nada saudosa CPMF, nem tampouco empréstimo compulsório, então já se descartam estes dois tributos.

Conforme o CTN, Contribuição de Melhoria é uma modalidade de tributo “cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”. Obviamente, não há imóvel algum valorizado por conta de obra pública no caso do Bolsa Família.

O CTN define o que seja taxa: “As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”. Bem, ninguém tem nenhuma contrapartida específica à disposição por conta do Bolsa Família, quer dizer, o cidadão que paga tributos, mas não recebe o benefício, simplesmente manda dinheiro para a bolsa da viúva e fica a ver navios. Nada de taxa, então.

Sobram os impostos. A definição do CTN é: “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Por conta dessa generalidade, haverá quem diga “tudo bem, pode-se arrecadar e fazer o que bem se entenda com o dinheiro”. Nada mais falso. Ora bolas, os impostos em particular e os tributos em geral existem para o Estado-administração manter-se em pé e cumprir suas tarefas, mas não podemos levar a isto a ferro e fogo, porque do contrário, se vier uma lei dizendo que tal ou qual grupo de pessoas merece ganhar um salário milionário às custas do erário, seremos obrigados a engolir. Imagine se ao invés de um Bolsa Família, estivéssemos falando de doações a fundo perdido a milionários, estrangeiros ou ursos panda; ninguém teria dificuldade alguma em reconhecer que impostos não são pagos para isto. Ora, se doações a fundo perdido não são toleradas, então, por que tolerar o Bolsa Família?

O caso é que, embora não haja vinculação do tributo a uma atividade estatal específica, não significa isto que os recursos possam ser gastos ao bel prazer da consciência do governante de plantão. A lei fala em atividade estatal específica, o que abre espaço para a atividade estatal genérica. Nesta categoria podemos incluir uma série de coisas, por exemplo, o custeio da máquina judiciária. Ninguém é louco de dizer que o judiciário seja um serviço à disposição do cidadão, logo, ninguém é louco de dizer que o judiciário é custeado por taxas. Grosso modo, os impostos servem para custear as funções estatais propriamente ditas. Desde quando a doação de dinheiro é uma função estatal propriamente dita? Não é.

E não seria o Bolsa Família uma forma de assistência social? Por este lado, a defesa do programa fica menos ilógica. Exceto por uma questão: os benefícios assistenciais ou são emergenciais e temporários ou são vinculados a um fato objetivo que diminua a capacidade produtiva do cidadão que a recebe, um fato objetivo que impeça aquele particular cidadão de prover a sua subsistência. Ora, a lei do Bolsa Família não faz referência nenhuma a qualquer fato objetivo e nem é emergencial. Ademais, o programa não se enquadra nas definições e conceituações da própria lei orgânica da assistência social:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Art. 2º A assistência social tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Parágrafo único. A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.

Art. 3º Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes:
I – descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo;
II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;
III – primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.

Claro, o famigerado adjetivo social poderia ser sacado para dizer que se trata sim de uma forma de assistência, mas, ainda que se admita essa forçada interpretação incoerente com os demais dispositivos da própria lei, ainda assim restaria o grande problema de não ter sido respeitada a exigência do artigo 5º, II. Alguém foi consultado sobre a criação do Bolsa Família?

A verdade é que o Bolsa Família não se enquadra nos objetivos descrito no artigo 2º desta lei. A persecução destes objetivos é que se faz mediante a obediência aos demais princípios, não se diz que o uso de dinheiro público obedecerá a isto irrestritamente, do contrário a construção de estradas, portos e aeroportos seria de todo ilegal. Tais princípios são específicos da assistência social, cujo objetivo não é doar nada a ninguém.

Obviamente, o Bolsa Família nada tem de previdenciário, já que aí se faz necessária a contribuição, em qualquer medida que seja.

Já que o Bolsa Família não atende a nenhum mandamento constitucional e seu custeio não pode ser feito por meio da tributação e nem tem previsão legal alguma, tal qual explanado até aqui, e ainda por ferir o direito de propriedade, a conclusão é bastante simples: é inconstitucional.

Então, afinal, o que vem a ser esse Bolsa Família? Nada. Tal qual colocado em prática e fixado em lei, o Bolsa Família é simples expropriação de renda. O Estado toma dinheiro dos pagadores de impostos e doa-o a quem ele julga que mereça. Simples e direta transferência de renda. Há algo de errado com a transferência de renda? Coercitiva? Claro que há: direito de propriedade. Se é meu e o uso do que é meu não causa prejuízo a ninguém, deve ficar em meu domínio. Paga-se tributos com uma finalidade prática, a qual não engloba a doação em dinheiro vivo a quem quer que seja.

O grande problema do Bolsa Família é que ele não tem natureza jurídica alguma, exceto a de simples doação. Certo, é uma doação condicionada, o cidadão deve se comprometer a fazer ou deixar de fazer algumas coisas. A par de ser um absurdo pagar para quem um pai cumpra seu dever moral e legal de matricular os filhos na escola, o fato é que essa condição não muda o caráter de doação.

Mas, é hora de lembrar: não se critica quem recebe o bolsa família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles.

Muitos já devem ter brandido: artigo 1º, artigo 1º, artigo 1º. Outros devem estar a gritar: artigo 3º, artigo 3º, artigo 3º. Ora, vamos devagar com o andor. Que diz o artigo 1º da CF? Eis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.

Onde se enquadra aí o assistencialismo? E a doação pura e simples, ainda que feita a pessoas paupérrimas? Em lugar algum, exceto em definições muito particulares e nada consensuais do que seja cidadania, as quais extrapolam o campo meramente político para esticar o termo até se tornar praticamente sinônimo de igualitarismo artificial. Rebate-se isto em seguida. Antes, o artigo 3º:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Onde se enquadra o Bolsa Família aí? No inciso III? Ora, venhamos e convenhamos, é forçar demais a barra. Isto é um objetivo, algo a se perseguir, não uma obrigação específica. Erradicar a pobreza pouco ou nada tem a ver com doações de dinheiro. Há inúmeros meios de se fazer isto. E o Bolsa Família erradicou a pobreza? Coisa nenhuma, continuam pobres os que a recebem, sem falar nas odiosas exceções daqueles já nem pobres eram e receberam por motivos e meios bastante deploráveis. Ok, nem comentemos as incríveis distorções do programa em si, como condicionar o recebimento do dinheiro à assinatura na ficha de filiação deste ou daquele partido. É de menos para o que se discute aqui.

O que pega mesmo é que já há não há quase ninguém a diferenciar República de Estado e, pior, nem mesmo República de União Federal. República é uma forma de governo, União Federal é uma pessoa jurídica através da qual o Estado (ente político) exerce a sua função de Estado-administração. E Estado, grosso modo, é o mesmo que país, é a organização política de um povo dentro de um dado território. Ainda que se queira discutir pormenores da definição de Estado, nada há que sinonimize este à República.

Pausa para o lembrete: não se critica quem recebe o bolsa família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles.

A questão é que sendo a República uma forma de governo, a União não tem obrigação alguma de se jogar a todo vapor na erradicação da pobreza. E tampouco isto impõe qualquer dever a qualquer cidadão.

Se prestaste atenção até aqui, já entendeu que o problema é que o Bolsa Família é uma expropriação de renda, do salário do trabalhador, do faturamento das empresas e prestadores de serviço. Não vale a pena dourar a pílula, o termo correto, preciso é este: expropriação.

O Bolsa Família seria juridicamente aceitável se fosse: 1) emergencial, como é o seguro-desemprego ou o auxílio-doença; ou 2) vinculado a um fato objetivo que diminua a capacidade produtiva do cidadão, pelo tempo que ela perdurasse, inclusive eternamente, sempre na medida dessa diminuição e se e tão somente se ela prejudicasse a sobrevivência.

E ainda mais. Por mais cruel possa parecer, a verdade é que não há nada de digno em privar de um homem a subsistência pelo próprio suor. De outro modo, não há nada mais digno do que um homem subsistir graças ao seu suor. Mas e se houver algo que o impeça? Então, conforme o caso, tem de se promover atos que removam este obstáculo, mas não aceitar sua existência e dar eternamente de comer ao miserável.

O Bolsa Família é injusto porque institui a caridade forçada. Ora, caridade forçada não é caridade, não é solidariedade. É simplesmente um abuso em prol do favorecido. Como, no caso, se trata de ajudar pessoas pobres, fica difícil imaginar que seja injusto, mas a questão é principiológica. Se é errado forçar alguém a dar parte da sua renda para outrem, isto é errado sempre, não importa quem seja o beneficiário e o fato de o Estado fazer isto por via dos impostos não torna a situação melhor, antes piora, em razão do absurdo poder do Estado frente ao cidadão. De resto, o objetivo das obras e serviços públicos já não é justamente fornecer a todos um mínimo de dignidade na sua existência? Paga-se tributos para que todos tenham saúde, educação, segurança. Se tudo isto estivesse feito de modo satisfatório, que miséria haveria, efetivamente? Ou seja, para apagar os efeitos deletérios da sua própria incompetência, os governantes decidiram expropriar renda de trabalhadores e empresas para ajudar quem não tem o que deveria ter e para o que tributos já foram recolhidos.

O Estado poderia, como deveria, incentivar doações privadas. Poderia até mesmo instituir um empréstimo compulsório para uma ação emergencial de grande alcance. Poderia agir de mil modos, talvez até dez mil modos, mas preferiu o caminho mais fácil de usar seu poder desmesurado para subtrair renda do trabalhador e transferi-la diretamente a quem ele julga que mereça.

Mais uma vez: não se critica quem recebe o bolsa família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles.

O, por enquanto, presidente Lula tem razão: quem tem fome, tem pressa. Mas isto justifica uma ajuda específica a um momento específico. Se o Bolsa Família, além das condições já existentes, ainda fosse temporário, teria, grosso modo, a mesma utilidade do seguro-desemprego: dar tempo a que pessoa consiga arrumar um trabalho honesto. No caso, atingiria pessoas que vivem em regiões em que isto é bem mais complicado. Que tempo? Isso seria algo ser decidido no Congresso, a casa das leis. 1 ano, 2, 6 meses, poderia variar conforme o caso, conforme a região. A grande vantagem disto é que não só ajudaria quem precisa, como também forçaria o Estado a agir para a remoção dos tais obstáculo que dificultam a sobrevida daquele miserável.

Num extremo: por que ao invés de simplesmente doar o valor, não se contrata de modo emergencial essa gente toda? É duvidoso que a maioria deles não ficasse feliz em dar uma contrapartida qualquer. Que fosse, absurdamente falando, uma gigantesca frente nacional de varredores de rua, de cavadores de valas, de carregadores de tijolos, o que fosse. A contratação dessa gente sem concurso seria bem menos radical do que a expropriação direta de renda.

O fato é que o Bolsa Família, tal qual está colocado em prática e fixado em lei, é uma aberração jurídica e moral. É preciso pressionar pela sua reformulação ou substituição por um programa melhor, urgente.

E, como nunca é demais: não se critica quem recebe o bolsa família, não se critica a ajuda a quem precisa, nem se está dizendo aqui que quem ganha o benefício dele não precisa ou não o merece, está apenas se dizendo que o modo que os governos tucano e petista escolheram para ajudar é inconstitucional e, pior, o mais injusto deles. A questão não é ajudar os miseráveis ou não, é o programa Bolsa Família estritamente considerado.


LULA RECONHECE PATERNIDADE DO BOLSA FAMÍLIA

16 outubro, 2010


Esquerdistas costumam achar que o mundo começa com o surgimento de seus ídolos de ocasião. Tem nego que jura de pé junto que Marx inventou a dialética, outros acreditam que a política se resume a uma luta entre socialismo versus capitalismo, tem, claro, aqueles que botam fé que qualquer coisa boa acontecida no Brasil se deve a Lula e ao PT, incluindo aí internet banda larga, penicilina e a Playboy da Flávia Alessandra. Estão errados, claro. Mas se prestassem um só tiquinho de atenção ao que suas estrelas falam, não pagariam tanto mico nos botecos da vida, reais e virtuais. Por exemplo, Lula, ele mesmo, Lula sabe que foram os tucanos que inventaram o Bolsa Família, não só os programas anteriores que culminaram nele, mas como também a própria idéia de unificar os programas todos é dos tucanos e Lula, sim, ele mesmo, reconheceu isso como presidente e o fez na frente de uma boa platéia, com registro em vídeo (abaixo). Sim, tempos atrás Lula disse, grosso modo: quero agradecer aos tucanos por terem inventado isso de unificar todos os programas num só. Exato, Lula agradeceu aos tucanos pela invenção do Bolsa Família propriamente dito.

Quem primeiro unificou os vários programas sociais criados pelos tucanos foi o ex-governador Marconi Perillo, tucano do Goiás. Ele já havia feito a coisa em nível estadual e depois sugeriu a Lula fazer o mesmo em nível federal. A coisa se deu nos primeiros dias do reinado petista. Na cerimônia de lançamento do novo cartão unificado, Lula citou explicitamente o nome do então governador. Agradeceu clara e abertamente ao tucano. Simples assim: Lula reconheceu que a idéia não era dele.

Aqui vai o vídeo em que Lula mostrou-se agradecido, reconheceu a boa idéia que o tucanato teve (a fala mais importante está em 1:24):

Não se entende porque os petistas se orgulham tanto do Bolsa Família. Nem os programas sociais foram inventados pelo PT e nem sua unificação foi feita pelo PT. O caso é que a esquerda não sabe mais lidar com fatos, apenas com versões.