PRIVATIZAÇÃO NA SURDINA, O JEITO PT DE GOVERNAR


Graças a Lula, o novo presidente do Brasil, seja Dilma ou seja Serra, poderá privatizar na surdina estatais constituídas sob a forma de S/A. Na miúda, de levinho, devagarinho para não acordar ninguém. A MP 500/2010, publicada no Diário Oficial em 31 de agosto de 2010, permite que a União abra mão paulatinamente da sua participação em sociedades anônimas das quais seja sócia majoritária ou minoritária. Não há mais necessidade de leilões públicos, aprovação pelo Congresso, nada de nada. Simplesmente o poder executivo poderá deixar rolar e de repente, pimba, lá se foi a estatal para um grupo privado qualquer. Vejam os detalhes abaixo.

A manobra é sutil, sutil mesmo. Vejam o inteiro teor da Medida Provisória 500, publicada no Diário Oficial em 31 de agosto de 2010.

Art. 1o Ficam a União, por meio de ato do Poder Executivo, e as entidades da administração pública federal indireta autorizadas a contratar, reciprocamente, ou com fundo privado do qual o Tesouro Nacional seja cotista único:

I – a aquisição, alienação, permuta e cessão de ações, inclusive seus respectivos direitos econômicos, representativas do capital social de empresas nas quais participe minoritariamente ou aquelas excedentes ao necessário para manutenção do controle acionário em sociedades de economia mista federais;

II – a cessão de créditos decorrentes de adiantamentos efetuados para futuro aumento de capital; e

III – a cessão de alocação prioritária de ações em ofertas públicas de sociedades de economia mista federais ou a cessão do direito de preferência para a subscrição de ações em aumento de capital, desde que mantido, nos casos exigidos por lei, o controle do capital votante.

§ 1o Nas operações de que tratam os inciso I e II do caput deverá ser observado o princípio da equivalência econômica.

§ 2o As operações efetuadas ao amparo do inciso III do caput poderão ser celebradas com ou sem ônus para o Tesouro Nacional.

Art. 2o Fica a União, por meio de ato do Poder Executivo, autorizada a se abster de adquirir ações em aumentos de capital de empresas em que possua participação acionária, minoritária ou majoritária, devendo preservar o controle do capital votante nos casos exigidos por lei.

Art. 3o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 30 de agosto de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Guido Mantega

Alguém vai gritar: “mas a União fica com o controle do capital votante nos casos exigidos por lei”, “o controle fica com a União”. Esse é o pulo do gato. Controle de capital e maioria de capital são coisas muito diferentes. Pior, nem sempre quem tem o controle do capital votante fica com a maioria do lucro, aliás, o inverso é algo bastante comum mundo afora, se é que já não é a regra.

Deste modo, na prática, a União pode perder a maior parte dos lucros de uma estatal em prol de um ou mais grupos privados. Na prática, que é o que importa, isto equivale da dar a um grupo privado o direito de ficar com a maior parte do lucro. Se alguém fica com a maior parte do lucro de uma empresa, na prática, ali no duro, pouco importa que seja ou não controlador. Imagine que você tenha uma padaria em sociedade com um camarada seu. Um dia, vocês decidem que a partir dali, quem manda dentro do estabelecimento é ele, mas você ficará com, digamos, 70% do lucro. Quanta força você fará para ter o direito de mandar ali dentro?

O truque é o seguinte: existem dois tipos de ações, as preferenciais e as ordinárias. Estas são as que dão direito a voto em assembléias, aquelas não dão esse direito. Parece mal negócio essa tal de ação preferencial. Ledo engano, ela não tem esse nome à toa. A ação preferencial tem preferência na distribuição dos dividendos da empresa. Dividendos são os lucros das empresas. Logo, a ação preferencial tem preferência na distribuição dos lucros. Estas são as ações mais negociadas em bolsa, porque elas é que representam aquilo que interessa a qualquer investidor: dinheiro, grana, bufunfa. Tem mais, se por acaso a empresa for ou liquidada, ou seja, encerrada, quem tem esse tipo de ação recebe a sua parte antes dos que têm ações ordinárias. Quer dizer, quando o barco começar a fazer água, quem possui ações preferências tem preferência na fila do colete salva vidas.

Enfim, a MP 500 confere à União o poder de, na maciota, entregar a maior parte dos lucros de uma estatal a um grupo privado. Por que se diz “na surdina”? essa regra permite que, quando houve aumento de capital da empresa, a União possa se abster de comprar mais ações.

A coisa não é difícil de entender, mas também não é lá muito simples de explicar em termos leigos. Tenta-se. “Aumento de capital”, como o nome sugere é uma adição de grana na conta da empresa. Suponha que você e seu sócio naquela padaria cheguem à conclusão de que é hora de comprar mais um freezer, mais um balcão, mais um caixa, etc, enfim, de que a coisa vai indo bem, mas se houvesse uma reforma, um aumento das instalações, o lucro seria ainda maior. Só que a padaria vai bem, mas está muito endividada, não que esteja caloteando, só que tem muitos carnês para pagar e por isto os bancos não concedem mais empréstimos. Neste caso vocês terão de meter a mão no bolso e colocar dinheiro no caixa da empresa. Isso ou então vocês vendem novos pedaços da padaria, recomprando a maioria, mas deixando que terceiros entrem e essa entrada de terceiros, como é uma compra por parte deles, joga mais dinheiro no caixa. Entendem? Antes vocês tinham uma padaria divida em dois pedaços, não necessariamente do mesmo tamanho, o que pouco importa aqui. Agora, vocês vão fazer dela um bolo dividido em, digamos, dez pedaços, para facilitar a venda deles. Claro que os terceiros não entrarão de graça na brincadeira e vocês também não querem perder a maior parte do lucro. Para se manter tanto no controle da administração como para garantir o pedaço maior do lucro, vocês próprios compram, digamos, sete dos novos pedaços. Os que comprarem os outros três terão direito ao lucro correspondente ao tamanho do pedaço que compraram. Essa compra, esse pagamento que eles fazem vai direto para o caixa da empresa e com eles vocês compram o frezzer novo, o balcão e tudo o mais.

Mas uma padaria não é uma empresa de sociedade anônima, não é uma empresa que tem dois tipos de ações. Mas a Petrobrás é. O Banco do Brasil é. Muitas estatais são. E quando se decide que que estas empresas precisam de mais capital, o processo é basicamente o mesmo: emite-se mais ações, ou seja, aumenta-se o número de pedaços (e também o tamanho do bolo), vendendo no mercado estes novos pedaços a quem queira compra-los. Se a União não é obrigada a comprar novos pedaços, então, ela pode simplesmente ficar com cada vez menos pedaços e com uma proporção cada vez menor da empresa. Imagine que seu sócio decida recomprar mais pedaços daquela padaria do que você, o que acontece? Ele passa ser mais dono da empresa do que você.

Tudo bem que a União terá de manter o controle acionário da empresa. Mas e daí? Quem comprar as novas ações preferenciais, terá mais participação nos dividendos da empresa, ou seja, nos lucros. Aí as empresas fazem um aumento de capital e a União não compra as novas ações preferenciais. Fazem outro aumento de capital e novamente a União não compra as novas ações preferenciais. E assim vai indo até que quando se vê, a União tem a minoria das ações preferenciais, ou seja, a menor parte do lucro das estatais.

A maior parte dos lucros das estatais, nesse caso, pode restar pulverizado entre milhões de acionistas ou na mão de um só. Suponha que você tenha muita, mas muita grana. E que a cada vez que a Petrobrás faz um aumento de capital, sempre é você quem compra a maior parte das ações preferenciais. A cada novo aumento, você é quem vai ficando com a maioria delas. Em algum momento você será dono da maior parte delas e, portanto, dono da maior parte do lucro da empresa. E o que é que realmente interessa numa empresa? O lucro.

Para quem não sabe, a gigante do setor financeiro Merryl Linch já é a maior acionista privada da Petrobrás. Isto não quer dizer que ela seja dona da maior parte da Petrobrás, nem mesmo das ações preferenciais. A Petro ainda detém a maior parte das ações tanto preferenciais quanto ordinárias, é como se você ainda fosse o dono da maior parte dos pedaços daquela padaria. Ainda, mas com esta MP 500/2010, está aberto o caminho para que qualquer mega-investidor se torne dono da maior parte dos lucros da Petro. E do BB. E de qualquer outra empresa estatal que tenha ações em bolsa. Basta que as empresas decidam, em assembléia de acionistas, que há necessidade de um aumento de capital. Depois outro, e mais outro e mais outro.

Não importa que haja alguma dificuldade nesse expediente. Sim, sucessivos aumentos de capital são coisa complicada de se fazer, mas não impossíveis de acontecerem.

O que realmente pega é que existe uma porta escancarada para que o governo, qualquer que seja seu partido, possa, aos poucos entregar o lucro das estatais para um grupo privado.

De modo que toda essa discussão eleitoral sobre privatização está escondendo algo importante. Coisas midiáticas como as que FHC fez nem precisam mais acontecer para que as estatais passem a dar lucro para pessoas privadas, físicas ou jurídicas. Agora, dá para ser na miúda, bem quietinho. Pior, dá para ser por decisão partidária, já que o governo indica os presidentes e diretores das estatais, os quais, por sua vez, podem decidir em assembléia por novos aumentos de capital, já que são representantes da maioria do capital votante, aquele que dá direito a voto, mas não necessariamente ao lucro.

É preciso lembrar ainda que o governo é exímio intérprete de leis e normalmente as aplica a seu bel prazer, pois os meios de impedi-lo ou são fracos ou fracos são os que poderiam faze-lo. A maior parte das ações de interesse do governo são ganhas por ele no STJ e STF. A coisa está num ponto em que o STF já pode ser chamado de “guardião da Constituição segundo o Executivo”. Goste-se ou não e ainda que não seja radicalmente assim, mas hoje, de certo modo, a Constituição diz o que o Executivo Federal diz que ela diz.

Os militontos petistas estão comendo barriga. Como sempre. O PT não só gosta de privatizar, como já demonstrado aqui (https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/14/pioneirismo-e-isso-ai/), como já está preparando o terreno para novas privatizações. O problema é que essa gente não vê mais os fatos, só vê as palavras de ordem. Ordem do PT, claro.

P.S.: uma recomendação arrogante: troque eventualmente a leitura diária de seu jornal preferido pela do Diário Oficial, as verdadeiras ações governamentais estão ali.

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LEIA ABAIXO:

Sobre o envolvimento de Lula com os líderes do tumulto que resultou na agressão a José Serra no Rj:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/25/lula-lado-a-lado-com-o-pessoal-do-quebra-quebra/

Sobre tiros que militantes do PSB, aliado do PT, deram no Amapá em direção a ônibus de correlegionários do adversário:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/23/a-esquerda-em-acao-tiros-e-sangue-no-amapa/

Sobre Gilberto de Carvalho, braço direito de Lula, ser réu em ação sobre corrupção na coleta de lixo em prefeitura administrada pelo PT. E ainda sobre o envolvimento de Luis Favre, ex-amásio de Marta Suplicy, no esquema:

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/23/poder-para-corromper-corrupcao-para-o-poder/

Sobre a encomenda de Dilma Roussef de dossiês junto ao Ministério da justiça para encurralar seus desafetos políticos (reprodução do texto da revista Veja, vai que algum juiz maluco manda tirar tudo do ar):

https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/23/a-encomenda-de-dossies-junto-ao-ministerio-da-justica/

Sobre o erro de se dar mais crédito ao governo do que ao próprio trabalho e ainda comparar condição de vida de trabalhador de grande cidade com miserável do sertão:
https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/19/foi-voce-quem-melhorou-sua-vida-nao-o-lula/

Sobre um provocativo e deliberado confronto entre militantes que foi prometido pelos petistas para o dia 24, no RJ:
https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/22/vao-pro-pau-de-vez/

Sobre Lula ter perdido mais um oportunidade de ficar quieto, a vergonha do jornalismo do SBT e a agressão a José Serra no RJ:
https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/21/bolinha-de-papel-derruba-petistas-e-seus-militontos

Sobre nem o PT dizer onde estão suas propostas de governo, afora a TV:
https://domaugostodamateria.wordpress.com/2010/10/22/comparar-propostas-como-se-o-pt-nao-diz-onde-as-suas-estao/

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